O que faz falta, no dilema, para convencer os politicamente indecisos
Há, do lado de quem defende o não no referendo, alguns argumentos relevantes a considerar (muito embora passem despercebidos, no meio do demasiado ruído com que se têm bradado razões). É verdade que, se ganhar o sim, o projecto do governo sobre a despenalização poderá, de um ponto de vista estritamente prático, ser equivalente a uma vitória de pirro: despenalizar-se-á, nesse caso, o aborto clandestino, mas não se o erradicará. É possível, para não dizer provável, que a prática do aborto em estabelecimentos de saúde autorizados continue a ser uma miragem, por razões várias que vão desde o pudor da mulher que o quer praticar à inexistência de meios para que uma IVG seja realizada dentro das dez semanas. Além disso, a despenalização do aborto não acabará com os negócios sujos do actual "mercado paralelo" de prestadores de cuidados às mulheres que abortam. Falta, de facto, ao governo um projecto integrado de despenalização do aborto, articulado com medidas de sustentação da sua prática como solução última de uma crise individual, que vão desde as medidas preventivas ao aconselhamento e apoio psicológico, social, jurídico. Falta, a quem propôs o referendo dizendo ler - e bem - na consciência colectiva a tolerância a quem recorre ao aborto, um projecto de sociedade que acolhesse uma equilibrada ponderação dos valores em questão; que estabelecesse, como princípio, o compromisso possível entre a valorização ética da vida e o irrecusável respeito pelas convicções e os projectos individuais de cada cidadão.Um projecto de despenalização da IVG bem estruturado responderia a uma boa parte dos argumentos do não no referendo e calaria os seus defensores mais confessadamente moderados, remetendo-os - de duas uma - ou para o reconhecimento da validade do projecto político-social da despenalização da IVG ou para um fundamentalismo radical que, como se sabe, costuma ser típico de minorias não representativas.
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