É para ir depressa?
Chegou o aviso, era domigo à tarde e a tarde ia mansa naquele Junho de S. Miguel. O Santo Cristo da Caloura ja tinha regressado ao gradeamento casto de S. Francisco, seria quase Julho. Estava ameno.
Vinham dois doentes mal, de Santa Maria, num "aviocar" da Força Aérea. E era preciso ir buscá-los ao aeroporto.
Quem vai, quem fica, éramos seis, "vais tiú!". "Tiú" era eu. Não era acidente, eu era o da medicina interna, ainda barafustei "eu vim aqui para aprender e ninguém me ensina, puta de vida de forcado amador!", mas eles disseram "vais tiú, tens de ir tiú".
E mais: "levas o David, o enfermeiro, e a tralha da emergência e da ressuscitação".
Eu levei tudo. "É isto? OK, que bom, sois uma merda, uma grandessíssima merda, que havia de vos vir aí um baptizado inteiro de caganeira enquanto eu vou, seus filhos da puta!". E levei o David, que era "rabo-torto", falava sem sotaque.
Convém referir que, naquela altura, à força de termos quase a mesma idade e os mesmos medos, era comum que enfermeiros e médicos nos tuteássemos. E nem sequer era uma moda continental, bem pelo contrário. Era de lá. Bom, isto nada acrescenta à estória, excepto mais um pingo de verdade.
Chegou a ambulância. Ao volante vinha uma espécie de Jack Nicholson, topei logo que, para cuco, só lhe faltava o ninho doutro pássaro. Entrámos.
" É pa im deprâsse?".
" É, acelera, merda, é!"
" Vá bã..."
"Vá bã" o caralho. Andámos ali em bolandas e tivemos de ameaçar o corisco, "ou vais mais devagar ou fodo-te os cornos, meu rafeiro!", e ele "tiú â que pedâst...", e eu "cala-te, caralho!".
Pelo caminho, assim que o Jack Fângio se acalmou, o David perguntou-me:
- Já entubaste alguém?
- Assim mesmo, sem ajuda? Não.
- Vai correr bem. Não vai ser preciso. Vais ver. E se for, repara: tu já fizeste, eu já vi fazer, a gente amanha-se. Vais ver.
O silêncio que ficou durou pouquinho. O Jack Fangio Nicholson resolveu falar.
- Eiuòm! e se fô preçaise a gente vã voànde proxpital! Vá bã!
Não correu mal. Nem sequer para ele.
besugo
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