A day at the races
Acabada de chegar do jogo de apresentação do plantel do FCP, venho aqui com a humildade dos aprendizes deixar algumas notas de observação empírica, portanto caótica.
As mulheres vão cada vez mais ao futebol. Ou, para ser rigorosa, as mulheres
portistas vão cada vez mais ao futebol. Genericamente, dividem-se em três grupos: as que aproveitam o ensejo para exibir os atributos (pense-se em clones da Victoria Beckham, mas mais burguesas e notoriamente menos endinheiradas); as que, por mimetismo do hooliganismo masculino, se tornam indefectíveis da bola e que, de olhar fixo no relvado, sofrem, vociferam, praguejam, lamentam e exultam por tudo e por coisa nenhuma; e, finalmente, as que vão à bola por acaso ou incidente do destino e assistem ao jogo perdidas, sem saber muito bem do "status quo", que espreitam os ecrans gigantes em busca do clarão de luz que as esclareça e que se apercebem de que a bola entrou na baliza depois da multidão gritar "goloooooooooo!". Eu sinto simpatia por estas mulheres, sofredoras mas esforçadas, em que eu, de resto, me incluo. Já explico como vejo um jogo de futebol ao vivo.
Um estádio de futebol é um imenso manancial de curiosidades, impossíveis de prescrutar numa transmissão televisiva. O meu gosto pelo futebol visionado (com a esotérica excepção dos jogos da selecção, que sigo segundo a segundo) resume-se aos golos. Em não havendo golos, disperso-me e vagueio. Dou exemplos: segui os passos do juiz de linha do lado poente do estádio durante tempo suficiente para não me aperceber de um remate à baliza de um romano; reparei que o Helton estava parado há tempo suficiente para sair e voltar sem que ninguém sentisse a sua falta; acompanhei o incansável labor dos apanha-bolas; analisei a expressão enfastiada dos
stewards, de costas voltadas para o relvado, a olhar para o lado errado do espectáculo; contei o número de camarotes do lado nascente do estádio; retive-me numa adepta de
look Shakira, calça justa e top
rosa-choc-sensual, que tropeçou nos saltos e espalhou as pipocas na escadaria da bancada. Com tudo isto, eu não vi todo o jogo, mas vi uma boa parte do espectáculo. Não me arrependo, portanto.
Na segunda parte, o onze apresentou a
pièce de resistance: o equipamento alternativo. Muito alternativo, aliás. Mas, falemos claro: só alguém de extrema má fé não notará que se trata de
laranja fogo, que é uma tonalidade pouco conhecida do laranja. Numa outra perspectiva, é de notar que o Porto exalta, desta forma, a forma despreconceituosa e destemida de estar no futebol: não há cor que o amedronte, não há símbolo que o faça recuar.
Numa outra perspectiva, ainda: o equipamento alternativo é inenarrável. Mas eu sei que o Pinto da Costa saberá responsabilizar o cretino que inventou uma indumentária tão bizantina, tão...rectro.
Rectro. Isto leva-nos a outro tema, não menos interessante.
Esguichos de besugo
A guerra é uma espécie de ordálio. Não sei se me engano muito se disser que é nela que o homem resgata a sua humanidade.Eu tenho um irmão que, como eu, já foi mais novo.
A dada altura da sua vida, aí pelos seus quatro anos (e pelos meus oito), adquiriu uma mania estranha que consistia em colocar os dedos duma das mãos (ou de ambas, ele alternaria as extemidades superiores, suponho eu) na superfície lisa e potencialmente escaldante do ferro eléctrico que se equilibrava na ponta metálica da tábua de passar a ferro da cozinha.
Algumas vezes saiu-lhe bem a tropelia: estava desligada e fria a infernal engrenagem. Outras, queimou valentemente os dedos. E chorou o ranho babado dos cheiros de sua carne assada.
Cuido que, depois de sete tentativas, umas bem sucedidas, outras mal, parou com isso. Hoje em dia tem, até, um filho. Que tem potencial ronha - convenhamos - para a mesma odisseia experimentadora.
Ou seja, o meu irmão resgatou-se sem necessidade de reexperimentação adicional à sua experimentação aceitável. Como fazem todas as pessoas que dedicam ao empirismo mais atenção que a que devotam às bancadas parlamentares e à casmurrice bélica dos poetas mortos na bancada.
Como há-de fazer o filho dele.
O meu sobrinho.
As melhoras para todos
Por deficiências várias, todas elas intrínsecas à minha pessoa, só soube que o Abrupto estava a ser vítima dum ataque vil pela Visão. Fui logo ver os escombros, mas parece que aquilo já está recomposto e que JPP controla, de novo, a situação "no terreno".
O que pode ser bom. Não vamos agora por aí.
O que eu não quero, sobretudo, é que se pense que nós aqui, no
blogame mucho, somos alheios a este tipo de catástrofes. CAA não foi, RAP também não, nós muito menos.
Eu não ponho "hiperligações" em "Abrupto", "CAA" e "RAP" porque não quero que suceda a esta sólida coutada o que aconteceu àquele blog colectivo que é quase tão bom como
o nosso, embora muitíssimo mais chato.
Não que o RAP, caso eu o
linkasse, me
linkasse a mim. Não se atreveria. E bastaria isso para não suceder ao
blogame mucho (eu, a estes gajos,
linko sempre, é uma pulsão estranha!) o que aconteceu
àquele blog colectivo que é quase tão bom como o nosso, embora muitíssimo mais chato: uma peregrinação
.Bom. Eu agora vou pôr o
link daquele
blog colectivo que é quase tão bom como o nosso, embora muitíssimo mais chato, mas é só para isto ficar mais entendível por quem acabou de chegar, por exemplo, de Odeceixe ou de Sarnadelo. Já está. É mesmo aqui atrás, onde está escrito "
blog colectivo que é quase tão bom como o nosso, embora muitíssimo mais chato" com cor diferente. Com cor diferente e, eventualmente, sublinhado, mas eu ainda não vi o efeito, de maneira que, atenção, pode estar apenas de cor diferente - mas carreguem lá na mesma, que vai lá dar.
Por que é que o RAP nunca me
linkaria, mesmo que eu o
linkasse?
Bom.
Isso é outra conversa.
Mas penso que o facto de ele saber que o meu filho mais velho gosta muitíssimo mais de imitar o Zé Diogo Quintela (por exemplo, naquela coisa do
"tá quetinho!")
não será o menos pruriginoso e aviltante dum rol de factos pouco edificantes para RAP e, em certa medida, para o próprio Benfica.
É que é mail sim mail não!
Não posso corrigir o resultado porque foi 3-0. Mesmo.
Foi um "galo do caraças", aquilo do grego? Claro que foi, ora, toda a gente viu e sorriu: até o próprio grego.
Insisto é nisto,
João: os jogadores do Benfica devem ter levado uma carga de porrada imensa, daquelas de "trabalho físico pelo corpo todo", nestas semanas iniciais e, por isso mesmo, estão cansados como cepos.
O vosso jogo fundamental, nesta fase, é contra o Áustria. A partir de agora o treino incidirá no apuro técnico e táctico, afrouxando-se nas cargas físicas. E é aí, nessa altura decisiva do Áustria, que - querendo Deus e a ciência do treino - estareis melhores.
No campeonato não: aí espero, sinceramente, que continueis assim, se não puderdes ser ainda piores.
Não, não quero treinar clube nenhum. Rapaziada do Sacavenense e do Olivais e Moscavide, parai de me enviar convites!
... ou mesmo três?
Onde pára o Alonso?
Pára na parte B das férias, sem dizer nada às tropas invejosas?
Se bem que eu vi um tipo sentado no banco de suplentes do Benfica que, não é por nada... hum...
Não, eu às vezes precipito-me.
Era o Chalana.
Para quê picar só um se podemos picar dois?
Não quero ser chato, nunca quero, embora várias pessoas me tenham já jurado que que só me aturam porque "o que te vale é que não és sempre assim, foda-se!".
Mas pronto. Não resisto. Isto é com a
lolita, claro. Mas, sim,
Mário Peliteiro, é (também - eu gosto desta palavra,
também) outra vez consigo:
(aqui, o boticário já deve estar a pontos de rilhar os dentes)Façam assim: comprem a
Visão (ou peçam emprestada, que vocês devem ser uns forretas do camandro) e vejam um teste que lá está, em que têm de responder a várias perguntas; depois, consoante as vossas respostas, os tipos catalogam-vos numa espécie de "misto-entre-a-era-geológica-e-a-feição-antropológica-em-que-você-encaixa".
Façam o teste.
Aposto que vai dar que você é
paleolítico, Mário; o que, se quer que lhe diga, é o melhor resultado do teste.
Eu dei
retro, mas você não se ponha com graçolas sem ler antes, seu valdevinos! Retro é o terceiro melhor resultado!
Aqui entre nós, acho que tu és um bocadito
arcaica, lolita... o segundo melhor resultado, uma espécie de
primeiro prémio de consolação.
Ora faz tu também o teste, uruguaia, e depois - só depois - diz alguma coisa, sim? Sem insultares, evidentemente, de forma soez, quem assim te indica caminhos, te aponta horizontes. Quem te incita às bravuras e às perplexidades do auto-conhecimento. Enfim, sem me insultares a mim.
(Desta vez é que é)
Caríssimo René (é a brincar, mas não vale chamar-me Michelle, ou assim!)
Estamos naquele período do ano que é chato como o caraças, nos hospitais: o trabalho mantém-se, mas é repartido por menos pessoas.
São as férias, as excelentes férias.
Agora estão alguns a descansar, trabalhamos nós mais; depois, estaremos nós no retempero e, nessa redentora ocasião, sobrará o excesso para os retemperados.
É a vida: não há
férias médicas, não há
férias enfermeiras, não há
férias farmacêuticas, nos hospitais. Há médicos de férias, enfermeiros de férias, farmacêuticos de férias - mas os serviços têm de continuar a funcionar.
Parece que se quer que seja assim, também, nos tribunais, mas afigura-se-me difícil atingir esse desiderato, fundamentalmente "porque sim". "Porque sim", neste caso, basta-me: eu não aspiro a possuir judiciais discernimentos, muito menos sobre as complexidades das judiciárias pessoas.
Isto não é tabú: é mesmo assim. Isto de tribunais e magistraturas funcionais é toda uma outra complicação, uma complicação de grandíssima complexidade, não dá, eu nem me atrevo, pronto. Boas férias, sim?
Eu gosto mais assim, desta coisa da parte A e da parte B das férias, embora isso me deixe menos tempo para outras coisas, como - por exemplo - falar com o
Mário. Estou na parte A das férias, está visto. A parte A das férias é "as férias dos outros".
O
Mário desafia-me a dizer o que penso sobre a questão premente da reforma de Manuel Alegre; e eu, que nem sabia da existência desse gravíssimo problema, fui ler sobre ele.
Li alguns jornais, li a Visão e, se quer que lhe diga, parece-me bem. Não vejo ali nada de condenável, nem sequer sob o ponto de vista daquilo que parece ser, agora, uma espécie de cruzada moral atiçada sobre Manuel Alegre.
Sejamos francos: tudo isto não passa dum dardozinho de pequeno veneno, lançado por zarabatana fina, sobre as costas dum homem que tem contra si, fundamentalmente, mais do que o facto de declamar, o de proclamar - e, geralmente, bem alto.
Ora, quem proclama alto tem de ser como um anjo: sem sexo e voando sempre muito alto. Sobretudo muitíssimo mais alto que as suas proclamações.
Isto é uma estupidez injusta, mas é mesmo assim. Por quê? Porque se calha parecer, ao "sniper" emboscado, que o anjo, voando sempre, voa - por momentos - mais baixinho que o costume e que, nesse voar mais acessível a quem se embosca, pia ainda mais grosso que habitualmente, zumba: sai logo furtivo chumbo de pressão de ar, uma espécie de guinchozinho, do caninho fino apontado pelas mãozinhas trémulas e envergonhadas da sua intrínseca contradição entre uma cronha pesada e um gatilho leso.
São homens doutra bitola, de facto, estes anjos. Como Manuel Alegre. É o que eu retenho.
Como o Mário sabe, Manuel Alegre é aquele tipo de pessoa que corre o risco de, em continuando a mover-se na vida como o tem feito sempre, vir a ser acusado de furto de algálias, aos 85 anos, numa farmácia qualquer. E de essa acusação vir na primeira página dos jornais de quinta, seguida de desmentido (na página dezoito) dos jornais de sábado - por se descobrir, entretanto, que Manuel Alegre tinha, por exemplo, afinal, conta aberta na farmácia. E que pagava ao mês.
Portanto, ou o Mário me explica melhor os contornos desta coisa toda, ou os contornos desta coisa toda são, para mim, estes: peidolas frustres de Mendes e Almeidas, dedicadas a narizes delicados e a substituir os incêndios nas paginas dos matutinos, dos vespertinos e dos restantes papéis que diariamente se imprimem para embrulhar besugos.
Fui, também, ver a polémica que vai no Saúde SA. O Mário aprecia discutir corporativismos, centra-se nisso - que diabo, homem, você não muda mesmo, é pior que eu! - e, pelo que vi, tem levado ali no lombo como um general. Não me parece que precise lá de mim, para o zurzir ainda mais...
Isto sim, é um desafio. Se bem o conheço, você vai aceitar isto: continue a esgrimir no Saúde S.A., que eu vou lá ler. Mas se quer (e eu espero que queira, acho que
nunca sorri tanto enquanto resmungava impropérios como naquele tempo em que nos pegávamos ambos, porque você não acreditava que eu receitava genéricos, e eu insistia em lhe atirar com o
Lasix à cara!, lembra-se?) converseta, falamos aqui, cada um do seu covil.
Se aceitar, fazemos assim (até porque você é guerrilheiro de várias frentes e consegue manter as outras todas): eu discuto daqui, o que o Mário quiser. E você, comigo, discute daí. Até futebol, se quiser, embora disso o meu amigo perceba pouco. Percebe, contudo, bastante mais do que aquele maradona com minúscula, um que apaga o blogue a cada quinze dias - e deve ter pena de não poder fazer o mesmo com o que rabisca na revista
Atlântico, mas aquilo fica impresso, é chato.
Um abraço firme de quem o estima firmemente, mesmo tendo você esse seu mau feitio de pirata poveiro e truculento.
(Mas que você tem levado no lombo no Saúde S.A. caramba, isso tem...)
O que há em comum entre o "pacta sunt servanda", o Chico Buarque e o Sérgio Godinho?
Os pactos fazem-se, muitas vezes, não de vontades cruzadas mas de repressões mútuas que, a dada altura, não se sabe sequer de onde partiram e muito menos porque é que se mantêm.
O certo é que, e acho que posso persistir nesta reciprocidade, nunca se deixou aqui de espreitar, acompanhar, ler e considerar o
Água Lisa (de que temos sempre feito diligentes
upgrades até à versão 6.0) do João Tunes, a quem dedicamos um silêncio atento (ou deveria dizer uma atenção silenciosa?) e constante.
O princípio jurídico que dita o cumprimento pontual dos pactos, mesmo de silêncio, só subsiste perante vontades mútuas que o queiram cumprir, o que notoriamente não é o caso (e provavelmente nunca o foi...).
Tudo visto, e extinto o pacto, resta-me saudar o João Tunes e elogiar-lhe a
escolha da música de fundo deste reencontro blogosférico que, espero, seja o "
primeiro post do resto dos nossos blogues".
Pequenos contentamentos de besugo
Lá demos 3 secos ao Benfica e eu fiquei bastante contente. E logo com bastantes miúdos a jogar, o que é bom. Eu gosto sempre destes pequenos detalhes.
No entanto, a verdade é esta: o Benfica, que tem uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões para jogar - e para passar, se fazem favor - , deve ter andado a treinar com grandes cargas físicas, até agora. Os jogadores estão cansados. Ainda. Hoje, mal se mexiam.
Não retiro conclusões de jogos prévios.
Fico apenas contente: ganhar ao Benfica, ao Porto, seja a quem for, é sempre bom; mas só isso, "é sempre bom", a menos que seja a doer.
A doer, sim: é mesmo, mesmo, mesmo, mesmo, mesmo óptimo.
O repórter estava lá, como sempre.
A reportagem sobre a transferência do Simão para o Sevilha, o Ossasuna, o Real Sociedad ou coisa que o valha começou pela imagem do dito a sair de um hotel, vestido com umas calças de ganga esternicadas contra as pernas e óculos de sol muito
bués, tudo dentro do género
football-fashion ou Beckham revisitado, a sorrir e a acenar para as câmaras enquanto recusava responder às atoardas dos repórteres, qual Lady Di em versão escalada. Mas o melhor ainda estava para vir. A "entrevista" ao dirigente máximo do SLB decorreu perante as costas do LFV que, impertinente, enfiou a cabeça dentro do BMW série setecentos e tal e enxotou os temerários repórteres lá das profundezas do habitáculo dizendo "eh pá, vocês são sempre os mesmos, ide, ide, que hoje não vou dizer mais nada" e confirmando, para nosso sossego, que o futebol português está igual ao ano passado e que o Benfica está mais igual ainda, e que todos nos podemos reconfortar na certeza de que enquanto o futebol tiver Simões, Vieiras, BMW e transferências, o país terá as costas dos dirigentes viradas para as câmaras, em
close-ups ansiosos, desdenhando-nos a curiosidade na certeza de que eles, os Vieiras e os Veigas, sempre dirigirão o futebol português, pelo menos enquanto não decidirem candidatar-se a presidentes de câmara.
Conflictus
É sempre estranho tentar pensar e discutir razoavelmente quando as premissas são estas: dum lado - já que há lados e que tem de os haver, já que os há - dum lado, dizia eu, a guerra aberta e feia, mesmo que apenas entreaberta na sua meia verdade; do outro lado, a ameaça a alvos estratégicos no estrangeiro, a bolacha maria do terror avulso, da traição, da indiferença pelo sangue.
Quando se fala de mortos e de feridos, de chagas eternas, que se tenha sempre em mente Job.
Cuido, já não leio a Bíblia há muito tempo, que acabou por conseguir negociar a cura.
E que acabou por lhe sair à borla, naquele tempo. Penou antes, contudo, o desgraçado.
La stanza (tradução livre: a estadia)
Sabes qual é o problema, lolita?
Já caminhaste sobre areia molhada, daquela que o mar lambe todos os dias?
De certeza que sim. E já lá deixaste pégadas pequenas, coisas pequenas de quem tem pés pequeninos. De certeza que já escreveste coisas abaixo da linha de rebentação: é onde todos tentamos escrever, não é?
Os meus pés são grandes mas vai dar no mesmo. E não sou, além disso, de escrever aí, mas é sempre porque há gente a olhar e a tentar ler e eu tenho pés feios.
Não importa muito.
Vem o mar e lambe aquilo tudo, fica tudo liso, como se não tivesse sequer valido a pena deixar marcas nenhumas.
Vale sempre?
Ora.
O filme era muito bonito.
Piú veloce?
Se existisse um instrumento de precisão próprio para medir o ritmo da alma ao longo de uma vida, saberíamos muito provavelmente que são tantas as vezes que nos sentimos pais como as vezes em que nos sentimos filhos. E que é quando somos pais que mais nos percebemos filhos, sedentos do fervor paternal que procuramos quando desprotegidos; ou sossegados ao enterlaçar os dedos nos dedos de alguém que, de mão apertada e segura, nos assegura a estratégia que liberta para seguir a estrada sinuosa, de curvas e contracurvas incessantes até à náusea, contidos num passo atrás do outro - sempre amparados nos filhos que somos.
Isto penso mesmo.
Nada entendo de sistemas educativos. Não estudei isso.
Mas fui estudante. Fiz, mesmo, aquele ano propedêutico que substituiu o serviço cívico, antes de haver 12º ano. E entrei em medicina com 17,9 valores, o que faz de mim duas coisas: um inenarrável marrão, naquela altura; e um potencial "barrado" à entrada, hoje, por insuficiência de nota.
Mas lá andei. Não saberei, portanto, mais do que o que sei por dentro: fui estudante. Antes de ser médico não fui mais nada, fora disso; depois de ser, quase que também não.
Pensem nisto: no nosso ensino secundário actual falta uma coisa que no meu tempo havia. Tempo. Tempo para estudar.
Era aquele tempo da tarde quase inteira que dava para quase tudo. Para fazer carambolas no bilhar do Borrajo ou do Nacional, para tocar viola com o Beto, o Guerra, os Pinhos, estudar, tomar banho no rio em Dezembro, estudar, mirar olhos de moças como se os olhos delas nos mirassem igualmente (era mais raro), escutar Pink Floyd e Triumvirat, estudar, saber de Peter Frampton e Rick Wakeman, estudar, jogar futebol, nadar, estudar, ler Eça e Sommerset Maugham à desgarrada, cantar, ensaiar beijos e amassos entre trabalhos de grupo que valiam só por isso, fazer o totobola e imitar Travolta no Saturday Night Fever, sempre mal. E estudar.
Mas havia tempo. Os tipos de agora não têm tempo. Em lugar de irem estudar para o café, para a biblioteca, para casa, na cama, na mesa, ou no sofá - ao seu ritmo, a melhor triagem é esta, a do ritmo, sabiam? - , ficam na escola a ter "estudo acompanhado" e "actividades".
Nunca estão sós.
Nunca podem escolher estarem sós, sem terem falta. Não conseguem, assim, conhecer o seu ritmo, o seu pulsar, o seu sentir. Estão sempre em manada. Cheios de vontade de sairem dali, mas cada vez mais presos a programas de sucesso que lhes fizeram, pelas costas, para depois lhos espetarem, como facas, no peito ainda virgem.
Eu não gosto disso. Falta-lhes tempo para amadurecerem sozinhos - no tempo escasso que também lhes falta - o que vem nos livros e escutam nas aulas. Que, depois de lerem - ouvirem -, deviam pensar sós; ou com quem escolhessem.
E, bem vistas as coisas, falta-lhes tempo para quase tudo: arranjaram agora uma espécie de gestores do tempo, que não são bem relógios de pulso, um por cada pessoa, mas que são ainda piores. Orientam tudo (e sempre mal), porque complicam: não passam de ponteiros luminosos em relógios atrasados, de feira franca, mas cuidam ser de marca.
O Líbano é masculino
A expressão "já te vi o cu!" é singela, singular e rara.
Pressupõe que a visão do nalguedo de outrem (rego e buraqueira incluídos, suponho) é altamente informativa sobre a mentação desse mesmo outrem. O que é bem raro.
Eleva o cu à plataforma mais elevada da bipolaridade ideativa: nunca se sabe se quem afirma assim gosta genuinamente de cu ou se, singularmente, apenas gosta de olhar. É singular, desculpem, é.
E faz-nos supor, de quem a profere, que tem uma excelente, adequada e clara visão sobre cus. Sobre os cus todos.
Ora, isto é - no mínimo - singelo.
Ou seja: isto que escrevi é uma obra prima - rara e singular - da minha singeleza, sobre a singeleza alheia.
"Obra, prima!"
Logo duas palavras, não é?
Enfim. Era plural. Desculpem.
O campeonato da dor
O Reinaldo está numa fase difícil da sua vida e vai entrar, não tarda, numa fase difícil da sua morte.
Já não acredita em ninguém.
Não, isto não é um falhanço dos serviços de saúde. Deixar de acreditar é apenas um direito dele, uma decisão difícil sobre como interpretar os falhanços da vida dele, muitíssimo independente dos serviços. Ironicamente, também muito independente dele.
Isto, independentemente de os serviços também não acreditarem em quase nada, digam-lho (a ele) ou não.
Não lho disseram. Assumo esta falha terrível dos serviços e aguardo chibatadas. Independentes.
Um jogo destinado a ser perdido, esse jogo viciado que magoa sempre, tanto faz que comece às quatro como às oito: perde-se no fim e nem sempre é curial saber por quantos. Sobretudo em fim de carreira.
Sabe-se sempre é quem, de facto, perdeu. Ou tenta-se ter isso bem presente, para não enlouquecermos todos de
impotência caritativa, que é o tesão dos pobres bem intencionados que precede, sempre, o "vim-me a seco mas foi bom na mesma".
Sem
No mesmo dia soube do homem, que tinha fugido com a brasileira de bordel, a quem todos unanimemente chamaram de desditado, soube do homem frágil que negava a pés juntos ser capaz de amar uma perdida, mas que amava, mas que se apavorava por ficar só, só com o amor da perdida e o espectro da solidão e que por isso negava tudo com juras por todos os seus seus que quis manter seus. Soube do homem precocemente subtraído ao pensamento que mantinha os sonhos passados, agarrado à vida, transpirando, adormecido uma vezes, outras de olhar terno lançado indistinto, fixado subitamente nos olhos dos pequenos descendentes onde se lembrava dos olhos dos filhos. Soube que lhe pediam mais, porque há sempre mais que se pode dar quando se pressente mais, ainda que o mais não baste, nem sequer sobre, nem sequer se esgote nos
quases que, por causa dos
mais, se eternizam em sucedâneos de
tudos que nunca chegam. Ou tardam.
Culinárias más
Chateia-me ainda não ter percebido (sou eu que sou burro) se o Sporting vai jogar em 4-3-3, 4-4-2, ou tudo ao molho.
Parece-me que vai ser tudo ao molho.
Para ser 4-3-3 falta um número 10. Falta Totti. Lucho está no Porto, Rui Costa no Benfica, Figo onde ainda quer estar. Falta Totti.
Para ser 4-4-2 falta sempre um na frente. Ou ainda falta, e Tristán nem sequer se me afigura suficientemente entusiasmado para vir jogar de verde e branco.
Vai ser tudo ao molho.
Muito bem. Eu sei que isto não interessa nada.
Agora.
Mas depois vai ser o assim-assim do costume.
Ora.
Estão a fazer mal as coisas.
Crescer depressa, porque é tudo mais depressa, crescer tem de ser também.
Depois do calor opressivo, das nuvens cinzentas sempre coladas ao céu amarelado e doentio, a chuva, o vento, o granizo e as trovoadas (atrasadas desde Maios mais antigos) sossegaram-me. Sim, sossegaram-me quando cessaram. Foi quase agora. Brisa já há. Calma.
Ando aí a ler.
Li isto.
Não conheço o autor, nunca lhe tinha visto a face. Mas é uma boa face e é um bom texto.
Malandro fino, emprestava-lhe o carro.
A lusofonia: fenómenos inexplicados
Nunca se viu nenhum brasileiro a usar expressões como "
derivado a que" ou "
deve de ser". Em compensação, já são poucos os portugueses que não martelam o português com o gracioso(?) frasejar das telenovelas da Globo de que são exemplos o "
tu tens mais é que" e "
o fulano é um tal de".
Isto sim, é uma epidemia. E, se for verdade que a blogosfera é uma amostra da
intelligentzia nacional, então preocupemo-nos.
Ou não.
A gente vai tomando que, também, sem a cachaça, ninguém segura esse rojão.
Andar a pé
Uma vez conheci um tipo, no Algarve, que parecia um bocado parolo.
Defendia, entre outras barbaridades, que gastava menos do que eu, nas voltas e voltinhas pelo lazer. E, sobretudo, à volta dele. Porque o carro dele funcionava a álcool.
Eu estava bem, ainda por cima o tipo era daquelas pessoas que sabe bem ouvir falar - aquilo do sotaque, aquela merda da maneira de dizer as coisas que, a um homem, dá para dormitar (acontece muito no barbeiro e na calista), havendo, todavia, bastantes gajas que sentem coisas estranhas ao escutá-los, também, mas passa-lhes logo se o tipo em questão pertencer ao
grande grupo de gajos que não são apresentáveis às amigas, não sei se estou a ser claro, mas acho que sim.
O problema podia estar resolvido, mais ou menos, se extirpássemos o Texas ao EUA (dávamo-lo à Macedónia) e se fechássemos o Mar do Norte aos bifes, para reconversão do mesmo em "mar de surf e de naufrágios sonantes, tipo Titanic".
Mas assim, conforme estão as coisas, não está - o problema - nem sequer à beira de solução.
Claro que a solução do tipo que eu conheci, há três anos - era importante dizer isto, foi há três anos -, no Algarve, é uma boa solução para ele. E seria uma boa solução para mim, também.
Mas há que manter acesa a chama da inutilidade e manter bem dispostos os tios que se safam bem. É mesmo tios, não falta ali nenhum
p, e não se fala aqui das mães de ninguém.
Essa chama ainda paga bem e, sobretudo, cobra.
É mais complicado que isto?
Não sei se é. Mas deve ser. Ou isso, ou mais "coisa de sacana do que o que já é".
Colónia
Ela disse que andava cansada e ele disse que também.
Depois de verem as notícias, aquilo de Israel e dos outros, aquilo das bombas de etanol nos EUA, que só não proliferam porque não pode ser agora, ("então e o último estertor do petróleo, estais malucos?), de notarem que a frescura do nosso primeiro-ministro era toda ela feita de determinação, de ar condicionado e de preocupação pelo bem público (e comum), sentiram-se ambos mais frescos.
Consta, mesmo, que gelaram.
Ela e ele estão, agora, dentro dum copo de mistela. Derretendo lentamente e sentindo-se cada vez menos cúbicos e cada vez mais parte da mistura. Há alguma sensualidade nisto, embora um bocadinho oleosa.
E que os suores sejam sempre quentes
E, se me fui conforme vim, é conforme me fui que regresso: remexendo no baú.
Não faz sentido, para mim não faz, que seja doutra forma. Não me vou embora bem, nunca fui, para que havia de me ir agora?
Decidir de nós"Já vai nos setenta, como o meu pai, e é meu amigo, pormenor importante que me dispensa de rigores científicos. E está a morrer. A diabetes, essa assassina lenta e silenciosa, proporcionou-lhe, agora, uma perna gangrenada. Já lhe vai no joelho, a morte, numa subida ritmada que os antibióticos não controlam.O último ano, costuma ele dizer, não passou; passou-o ele. Quase cego, com dores dispersas, ameaçado de diálise. Impedido de todos os prazeres. A dieta, os remédios, a quase total dependência dos amigos para qualquer deslocação. A conversa no café transformada em ritual de trasladação, “quem me leva, quem me vai buscar?”. Cada vez mais amargo, mais sarcástico, mais achincalhado naquela impotência enrodilhada da doença que se entranha.Agora a gangrena. Com ela, a paragem dos rins, o potássio a alarmar-nos a todos. A diabetes à solta, praga desvairada em campo de cultivo desleixado.O internamento, o sofrimento e a fraqueza não lhe retiraram lucidez. Desde sempre agnóstico, órfão de republicanos convictos e perseguidos, comunista desde que se lembra (e tramado por isso, em tempos antigos), enxotou o capelão mal o pressentiu. Mau sinal. E coitado do padre, tão triste.Disseram-lhe o que havia a fazer: diálise (as sessões necessárias para lhe equilibrar o meio interno), seguida de amputação, o mais rapidamente possível. Que não, que não queria, que o deixassem em paz. A morte, encarada como o fim de tudo, impressiona mais quando o fim está mesmo ali, do que quando se discute, no café.Quando lá cheguei estava a preparar-se para assinar o termo de recusa de qualquer tratamento, apelidando de “raça maldita” tudo o que mexia. Os meus colegas, desesperados, procuravam mostrar-lhe a morte inevitável, a breve prazo, numa tentativa vã de o dissuadir. Coitados de nós. Falhamos tanto, quando não conhecemos. Eles não o conheciam. Agitar-lhe o fantasma da morte era acenar-lhe com a paz.Eu, que o conheço do tempo dos meus primeiros calções, percebi que o seu único receio era perder a autoridade que, enquanto lúcido, sabia que tinha sobre o seu destino. O medo de perder as rédeas, algures no percurso que lhe falta, caso a lucidez lhe escape. Falei com ele e ele comigo, porque somos amigos.Fez hoje a diálise e tudo se prepara para a amputação. Prometi-lhe, apenas, e ficou lavrado em papel, uma coisa singela que o sossegou: não será submetido, em qualquer circunstância, a manobras de reanimação, nem às medidas invasivas que chamamos de “suporte avançado”. Não as quer. Afinal era fácil. Queria decidir de si, enquanto podia. E nós estávamos a perceber tudo mal. Ele não quer morrer, pelo contrário. Mas, se tiver de ser, quer respeito. Há-de tê-lo.Para já, está vivo e ficou a dormitar. Disseram-me que se cansou, na diálise, o que me fez sorrir. É que, engenhocas desde sempre, passou a sessão a perguntar às enfermeiras o funcionamento “daquela geringonça do inferno”.E já morreu, vai fazer dois anos no fim do Outono que lhe assinei a guia.
Cabeça (fora) de série
Torci pelo Zidane e pela Itália. Por esta ordem.
Rabo-na-boca
Acabo conforme comecei. Ninguém se lembra, lembro-me eu. É quanto basta.
Não estou nada emocionado. Vi crescer mostrengos à volta de mim e isso faz-me sentir, senão adubo, estrume natural.
Não foi muito pensado: eu nunca penso nada muito.
Cheguei assim, assim me vou.
So long, silver. Adeus, mica.
Tenho xisto e granito, continuo a não gostar um corno de calcário.
"Ando com falta de ar. Ou melhor, o ar não me falta, acontece é que o ar que tenho não me chega, parece que não me dá aquela saciedade plena de quando respirava melhor. Deve, talvez, ser do fumo dos cigarros. Mas pode ser, também, por andar a respirar duma forma mais consciente, menos leviana. Sim, que eu respirava levianamente, como toda a gente que respira desde cedo. Quando se respira levianamente, não monitorizamos os nossos movimentos respiratórios, inalamos e exalamos com a mesma profundidade inconsciente e redentora: o ar lá vai, lá cumpre silenciosa e eficazmente, quase anonimamente, o seu papel purificador. A não ser em momentos de esforço, mas mesmo nessas alturas, a verdade é que temos, geralmente, mais (e, se calhar, melhor) em que pensar. A coisa agrava-se é quando começamos a vigiar-nos de tão perto que nos abafamos.Isto não se resolve com máscaras de oxigénio a 24 ou a 28 por cento, nem com nebulizadores plenos de salbutamol. Também não se resolve com ansiolíticos, nem antidepressivos. Um abraço dos filhos ajuda... mas eles, depois, vão outra vez brincar e a gente fica na mesma agonia mansa, estuporosa, bovina, dispneica.Do que eu preciso mesmo é dum dia cinzento na montanha, daqueles dias em que a gente fica só, enevoadamente, com os nossos pensamentos, a ouvir músicas que nos fazem deslizar pelos entrefolhos da gelatina encefálica melhores lembranças, mais belos projectos, menos amargura e algum restinho de beleza... Mesmo que os projectos se revelem engenharias impossíveis para tão pouca gelatina, e que a beleza esteja sempre lá e a gente fique triste por não poder metê-la toda dentro do peito, há-de ficar sempre uma certa doçura. Quanto mais não seja por termos ficado ali um bocadito esquecidos de nós enquanto nos apalpamos por dentro, esquecidos de respirar, mas respirando mesmo assim. Leviana e satisfatoriamente. Descer a encosta é que é pior.
Dos sangues pequeninos
Continuação de muitas felicidades para o programa. E parabéns: o bom caminho é sempre o que se faz de sapatinhos e beiças assapatadas.
Descalço e carrancudo nunca se vai bem, sangram os pés nas pedras do caminho e as gengivas nas pedras que se mordem.
Rigor
Para ficarem bem, podem sempre ir ler
esta merda.
Tirar o talho
E ninguém me tira que Cavaco e Sócrates deram azar. Para que foram lá?
E ninguém me convence que não foi desde que os abutres se calaram, mais, desde que os abutres quiseram fazer de rouxinóis, que nos fodemos.
É sempre assim. E isso nota-se quando os novos rouxinóis, passado que foi o seu instantezinho falso de "novos rouxinóis", assim um bocadinho a ver no que dá, voltam a ficar com o bico adunco, com as garras afiadas nas patorras porcas de frangos adamados, e a voltar a esvoaçar às voltas no seu pequeno céu de abutres, até chegarem à carniça, em segurança, devagar, devagarinho, como chegam sempre, os abutres, à carne morta ou sossegada.
Cá se fazem... mas é pena.
Que pode fazer agora a FIFA?
A FIFA pode, evidentemente, fazer o que a FIFA quiser.
Mas eu, se fosse a FIFA, não seria fifazinha. Não seria fufazona. Seria FIFA, por uma vez na vida, e faria assim:
Atribuiria a Zidane o galardão de melhor jogador do Mundial (e do Mundo Inteiro, se quisermos ser justos) e pediria desculpa ao Mundial e ao Mundo (excepto aos "enguelendes", aos "franchutes", e a mais meio milhar de espécimes, mesmo de cá do sítio) pelo pecado de ter dado ao promissor atleta de quatrocentos metros que se chama Podolsky o que era, por merecimento, de Cristiano.
Claro que a FIFA pode fazer o que quiser, a FIFA manda nisto da bola toda, por isso tem alternativas que só se podem entender (genuflectindo) por grande mando. E pode fazer isto, também:
1 - Não dar o merecido prémio ao Zidane e não pedir desculpa a ninguém, porque o argelino deu uma cabeçada no Matterazzi e isso é sinistríssimo "e, viva a FIFA, tem de ser assim".
2 - Pode arranjar uma solução de compromisso e forçar o Matterazzi a admitir que provocou o Zidane mas, apesar de tudo, para fazer estória pequena, a FIFA dá "o conto" ao Cannavaro. Ou a outro qualquer que tenha olhos azuis.
A FIFA, em podendo fazer bem, fará sempre mal. Mas esperemos.
O fado
Nunca chegamos a ser o que verdadeiramente somos, a menos que o que somos incidentalmente coincida com a forma como somos vistos pela lupa das conveniências dos outros.
E isso nunca ninguém conseguiu provar.
Meteo
França - Itália, Itália - França.
É quase tudo azul e parece-me que está calor demais.
Mesmo calor demais para o calor que está.
Faça o que quiser. Desta vez não lhe estou a pedir nada, por isso fique caladinha e continue bem.
Comprei a revista "Atlântico". Pela primeira vez e pela última. Custa 4 euros e não os vale. Nem é pelo papel, é por quase tudo o que lá vem rabiscado.
Comigo era, apenas, aquilo da
Carla Hilário Quevedo. Quem diz comigo, diz
connosco. Um bocadinho comigo, portanto. Foi por isso que comprei a revista, para ver. E vi.
Está bem. Penso que o que ela queria dizer (e não disse assim porque não pode, porque há aí muito palerma que a insulta porque ela deixa, por ela deixar sempre as portas entreabertas; e ela, que se pressente ser boa pessoa, lúcida e muito simpática, não as bate -às portas - nas trombas de ninguém) é que lê coisas escritas por pessoas a quem não reconhece a assinatura. Que lê, apenas, porque lê. Porque lhe apetece. E que gosta ou não, independentemente de saber que focinheira tem o escriba e onde pendura o escriba a lapiseira.
O
blogame mucho sentiu-se ali bem.
Depois, já não. Já nem tanto. É a minha opinião, apenas; a lolita não sei o que pensa disto.
A Carla Hilário Quevedo quase se desdiz, lá para o fim (eu não faço ligação à revista "Atlântico" porque não gostei dela, é muito fraca, muito pusilânime, cara demais, muito enfatuada e ... é melhor calar-me), mas tinha de ser, tinha de parecer que quase se desdizia para não lhe vir, depois, cair a chusma grossa em cima. A anónima e a que assina. E eu sei ler bem, sou filho de professora e aprendi, mesmo assim, a ler sozinho.
Ela tinha de escrever, dos blogues anónimos, o que escreveu: somos quase condicionais, somos mantidos no sossego dos "preferidos condicionais dos que dão o nome todo", apenas enquanto nós, os seus autores, dos blogues anónimos, nos portarmos bem.
Parece mesmo que disse isto, mas não foi bem isto que ela disse. Faça-se aqui um bocadinho de justiça. Eu sou justo com toda a gente. Com a Carla, se não fosse o caso de estar a desdizer a frase anterior, afirmaria que sou ainda mais.
Disse isto, ela disse mesmo isto, isto para começar. Mas para começar, também, acaba por ter alguma razão. No que disse. Não na maneira, não quando o disse, não da maneira como o disse, mas no texto todo.
Não a tem toda, à razão, mas tem alguma. Tem toda a razão dela, e eu entendo bem de razões e sei que há muitas.
Mas não foi bem isso que ela disse, insisto: o que ela disse (sem usar palavrões, isso sou eu que os uso, que gosto de palavras ditongadas) é que há muitos filhos da puta aí à solta, muita gente má que pensa que o encéfalo é uma coisa muito distanciada do coração. E não é. E ela sabe que alguma parte desses filhos da puta que andam aí, à solta, escrevem ao lado dela, naquela revista cara, pífia e súcia. E outros, embora fosse disso que gostassem, nem aí escrevem. Eis o ditongo: não.
Há mesmo um cromo que vai lá dizer, apenas, que
gosta é de pilim. É o
maradona com letra pequena. Não é bom tipo. Escreve bem a sequência ágil das palavras. Mas pouco mais. É um ágil descarado. Onde é que ele se trai (ou se distrai)? É no "é". Todos gostamos de pilim, mas ele gosta "é" de pilim. Quer "é" pilim. Aspeia-se sempre um "ser" assim, porque é um ser estranho, que parece sempre que não quer mais nada.
Ela sabe disto tudo.
Não vamos sair dos "linques" dela por causa disto. Eu já disse coisas mais desagradáveis e discutíveis (e malcriadas) e nunca ela nos desdenhou. Não desdenhou, não. Eu nunca li.
Nem ela sairá dos nossos "linques", o que (suspeito eu) será simpático a ambas as partes e merecido por toda a gente que quer coisas e pessoas, que gosta de coisas e de pessoas, em lugar de querer "é" coisas e pessoas, de gostar "é" de coisas e (mentira parva) de pessoas.
´
A revista é sobre a exclusão. Leiam-na. Peguem nela, no quiosque, e leiam. Mas não a comprem: é sobre exclusão, apenas, porque a exalta.
Mal, de maneira pequenina.
E a maior parte dos tipos que lá escrevem parece que estão bêbados ou numa ressaca de onanismo: por isso as páginas ficam logo pegajosas.
Saia daí, Carla.
Quase (*)
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...Mário de Sá Carneiro(*) Mas crescente.
Sem outro título
O futebol e a vida A OPINIÃO DE MANUEL ALEGRE1. Recorro de novo a Sophia e ao seu Fragmento dos Gracos para começar esta crónica: "Os ricos nunca perdem a jogada / Nunca fazem um erro. Espiam / E esperam os erros dos outros (...) / E ganham." Estive a ver o Portugal-França com estes versos na cabeça. Desde que o árbitro assinalou o penalti contra Portugal nunca mais me saíram da cabeça: "Os ricos nunca perdem a jogada / Esperam os erros dos outros." Ficou-me a leve dúvida se o jogo terminaria como no poema. Mas como sempre a poesia acertou. "Os ricos administram os erros dos outros / Apostam na fraqueza dos outros / E ganham." Com a ajuda do árbitro, é certo, que estava lá precisamente para isso, para ajudar os poderosos a tecer "Uma grande rede de estratagemas / Uma grande armadilha invisível", para os ajudar a administrar o erro, se é que foi um erro, do grande defesa que é Ricardo de Carvalho. Eu devia ter mandado este poema ao meu amigo Afonso de Melo para ele o distribuir por toda a equipa, para que cada jogador o decorasse e tivesse sempre presente que os ricos, os poderosos, os senhores da FIFA e o agora patrão Platini tinham lá um árbitro para o estratagema, para a armadilha, para administrar o erro e matar o jogo. E para não se esquecerem que os jogadores da França, o grande Zidane, Thierry Henry e Vieira, que merecem todo o nosso respeito, também sabem isso, no seu subconsciente eles sabem que vestem a camisola de uma selecção que pertence ao clube dos grandes e que os grandes nunca perdem a jogada.
2. E no entanto, desta vez, podiam ter perdido. Mas Deco não estava nos seus dias, Pauleta tem um problema qualquer nestes jogos decisivos, alguns jogadores estavam mais cansados e, já se sabe, os poderosos usam a fragilidade dos outros. Até mesmo Scolari, que fez uma selecção que de certo modo refundou o sentimento nacional, deixou no banco, não sei porquê, o jogador que devia ter jogado nesse dia, Nuno Gomes. Não há dúvida, este poema de Sophia tem de fazer parte do programa da selecção nacional. É preciso decorá-lo, para que da próxima vez, talvez já este sábado, os grandes percam a jogada.
3. Foi bonito ver Zidane cumprimentar e beijar Figo ( segundo a tradição argelina ) antes do jogo. E foi comovente vê-los abraçados e a trocar as camisolas no fim, com Zidane, já com a de Figo vestida, a aplaudir os adeptos portugueses. Estes sim, são os grandes senhores do futebol, os que lhe dão dignidade e beleza.
4. É óbvio que Portugal foi um intruso. O "patinho feio" da FIFA, segundo Scolari, que tem a coragem de dizer o que devia ter sido dito pelo presidente da Federação. O Mundial não se ganha só no campo e fora dele Portugal não risca. É por isso que numa meia-final desta natureza não bastava jogar um pouco melhor do que a França, era preciso jogar duas ou três vezes mais. Isso não aconteceu e foi nessa fragilidade que apostaram os grandes para não perderem o jogo que deviam ter perdido.
5. Jornais ingleses (até o conspícuo Financial Times) e franceses trataram mal a selecção portuguesa. Recorreram à mentira, ao estereótipo, ao insulto e à evocação de um ou outro caso há muito passados. "Nós não somos amados no mundo", dizia-me indignado o meu amigo Vera Jardim. Eu respondi que essas campanhas mostravam que já tínhamos deixado de ser uns coitadinhos. "Somos temidos", disse-lhe eu. E é o que penso. Se se desencadearam desse modo contra nós, revelaram várias coisas: falta de desportivismo e, os ingleses, depois da derrota, mau carácter e mau perder; no caso dos franceses, antes do jogo, medo. O que os media dos grandes mostraram foi isso mesmo: medo do pequeno Portugal e da sua grande selecção de futebol. A medo escreveram, a medo falaram e insultaram, a medo os ingleses perderam, a medo jogaram os franceses e, com ajudas por fora, a medo ganharam. A medo tudo. Sinal de que, pelo menos na selecção, as coisas mudaram. Antigamente éramos nós que tremíamos, agora são os outros.
6. Quem ler as memórias de César, compreende melhor a selecção italiana. A arte da guerra do velho imperador, mais do que nos campos de batalha do nosso tempo, realizou-se com pleno sucesso no modo de jogar da squadra azzurra. Tudo é pensado e ordenado, com inteligência, técnica, uma sábia utilização do tempo e terreno do jogo. Adormecer o adversário, interceptar uma bola, partir em flecha para o contra-ataque. Compactos cá atrás, desdobrando-se harmoniosamente na contra-ofensiva. Não só arte da guerra. Mas também arte poética. A terzza rima, a harmonia e a unidade de Dante, a procura do número 100 ou de uma forma circular. Há um pouco de tudo isso na selecção italiana, talvez a mais consistente, a única que, desde o início, eu não queria no nosso caminho. Portugal, Argentina e Itália foram para mim as três melhores selecções. O seleccionador argentino não quis pôr a orquestra a tocar nos minutos decisivos. Teve medo da sua própria música. Ficou a Itália. A França, mesmo com Zidane, vai passar um mau bocado. Terá que se haver, ao mesmo tempo, com a arte da guerra de César e a arte poética de Dante. O que é terrível. Além disso, há um legionário chamado Gattuso que desde a guerra da Gália ainda não parou de correr. E há Marcelo Lippi e o incrível talento dos jogadores italianos. Parece que estão a defender mas estão sempre a pensar, como o poeta, no "ponto luminoso", ou seja - o golo.
7. "Bastava-lhes espreitar pelo telescópio" exclamou Galileu (excelente encenação de João Lourenço, grande interpretação de Rui Mendes, no Teatro Aberto ), desapontado com os teólogos que se recusavam a ver as evidências. Oxalá os dirigentes federativos não cometam o mesmo erro. Oxalá não se recusem a espreitar, ver e ouvir. E sejam capazes de perceber que tudo mudou e que hoje, acima da clubite, há um clube chamado Portugal, que tem mais adeptos do que qualquer outro. Goste-se ou não, deve-se a Scolari. O melhor que Madaíl fez foi contratá-lo. Deixá-lo sair agora seria abrir de novo as portas ao império do dirigismo medíocre e à apagada e vil tristeza a que a nossa selecção, com Scolari, conseguiu dar a volta.
8. Vicente Jorge Silva já disse o essencial: agora trata-se de saber como agradecer à selecção o que ela fez por nós. E o que ela fez por nós não é pouco: a) revelou-nos que, afinal, neste mundo de globalização e diluição de identidades, ainda há um país, ainda há Portugal e portugueses e que isso não é pecado, é uma festa; b) mostrou-nos que mesmo contra os mais fortes é possível competir, ter ambição e ganhar; c) restituiu ao povo português, sobretudo à sua juventude, uma outra forma de alegria, orgulho nacional, sentimento de partilha e de pertença. Que podemos fazer para lhes agradecer? É difícil e é simples: acreditar como eles acreditaram, ser exigentes em relação a nós próprios, como eles o foram, termos espírito de equipa e de sacrifício, fazermos o nosso trabalho como eles fizeram o deles. Jogarmos na vida como eles jogaram no Mundial. Sem subserviência em relação aos poderosos. Sem cedência à mentira, à batota e ao compadrio. Sem aceitar discriminações e desigualdades. Jogar limpo, como eles jogaram. Com talento, patriotismo e convicção.
Arroz de lebre
Que pena eu tenho, que pena, de não podermos jogar a final de amanhã, contra a Itália e, amanhã sim, ganharmos ou perdermos aquilo a que fomos.
Fomos gozados. A imprensa e a opinião pública, cada vez mais confundidas nos seus enredos de cortelho, são iguais em todos os lugares. Quem vive da opinião (pública ou impressa) nunca a dará: vendê-la-á sempre. Isto é uma verdade imensa. Disseram, de nós, que somos falsos, fingidos, palhaços, mortos de fome, desleais. Ver os ingleses e os franceses a chamarem desleal a alguém é como observar duas putas a benzerem-se na missa do galo depois de comerem Cristo.
E se fosse Manuel Alegre a estar, hoje, em Estugarda? Em lugar do rígido e desinteressante hiato que agora simboliza o nosso anedotário de cagões, esse homem pio que, quando pia, parece D. Duarte Pio, que quando se mexe, parece D. Duarte Pio, que quando lhe pedem que fale seja do que for (para que se perguntam coisas a um "Dai-li-dou-pio"?) acaba sempre por dizer que "o que é preciso é trabalhar!", como diria D. Duarte Pio, à falta de melhor sentença pia.
Não foi capaz de dizer mais nada. Disse o que andou sempre a dizer, a vida toda, desde que comprou o Citroen-dele da nossa desventura-nossa. A guinchar o que já sabemos. O que irrita mais é que o guincha, sempre, como se instruísse o povo, como se estivesse a fazer doutrina de chavões.
Não gosto dele. Se perdermos hoje há-de ser por culpa dele. Há-de estar a ajeitar a peúga CD, enquanto babuja merdas, cheio de saliva na boca bisonha, para a chanceler alemã, se ela lá for, com aquele ar de tontinha - que não é, que não é -, no seu inglês de escolinha, em lugar de estar ali atento, vigilante, português e sem vergonha, de cachecol.
Manuel Alegre escreveu outra crónica.
O
Luís Aguiar-Conraria manda-me os textos, mas não os publica ele. É um chato de merda. Às tantas, quer mesmo que seja eu a publicá-los, raio do ilhéu. E eu, que sou teimoso como uma mula mas
muito rápido a sair da confusão, já de repente, faço-lhe a vontade. Andamos assim, pronto. Andamos neste andar.
Um dia destes almoçamos.
Que se almoça? Arroz de lebre. E um tinto velho de Macedo de Cavaleiros com cinco minutos de frigorífico, que isto tudo passar-se-á, como se passa sempre tudo, na Primavera ou no Verão.
Não pense
Sente-se bem? Está contente consigo? Cavalga aqueles momentos (em si perenes, porque eu falo consigo e conheço-lhe bem as latitudes e as longevidades delas) em que lhe parece que domina a montada do tempo, do espaço - e da
coudelaria inteira das coisas que se montam, que se deixam montar, ou que o montam a si?
Persista.
Relinche. Sapateie. Faça aí um "casquedo abafado de redondel".
Zurrar é mais difícil.
Darwinzinhos
Sabem aquilo de algumas pessoas começarem a dizer coisas más que parece que são connosco e, depois, quando se lhes pergunta se são connosco, retesando o pescoço, já depende?
E, mais que isso: se é connosco ou não, depende mais de quem elas têm por detrás, ou por debaixo (ou por de cima), do que de nós, mesmo pressentindo nós que é mesmo connosco. Já vos aconteceu?
É a cobardia forte da alcateia contra a fragildade grácil do coelho. Ou contra a docilidade triste do lobo ferido e desgarrado.
Falta ainda um desafio. E, depois, o resto. Para valer a pena.
Eu endireito-me. Recomponho-me.
Tem sido sempre assim: eu perco e aguento-me.
Porque eu jogo para ganhar. Não empato se não for obrigatório. E também só perco se for forçoso.
Para já, transferi a fé toda para sábado.
E, enquanto conseguir fazer este tipo de tranferências, esta magia das trasladações de mim, não retirando nada do que disse entre trasladações, hei-de conseguir endireitar-me sempre.
Tem sido sempre assim. Sempre.
"Tu dizes isso apenas para continuar a acreditar em qualquer coisa..."
Claro. Por isso e por mais umas pequenas coisas que são só minhas.
A prosa bonita
Os grandes e o pequeno
MANUEL ALEGRE
1. Como no poema de Sophia, também eu "gosto de ouvir o português do Brasil / onde as palavras recuperam sua substância total", gosto de ouvir esse português falado "com suas sílabas todas / sem perder sequer um quinto de vogal". Sim, gosto do português escrito pelos poetas e prosadores do Brasil e do português falado pelo povo, com suas palavras "concretas como frutos nítidas como pássaros". Gosto das canções brasileiras e, se me permitem, gosto do português jogado pelos seus grandes futebolistas, aqueles que tratam a bola como quem fala, como quem escreve, como quem afaga ou como quem dança. João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge Amado ou Guimarães Rosa no ritmo de Pelé, Garrincha, Tostão, Rivelino, Zico, Romário. Mas não foi esse o Brasil que esteve na Alemanha. O que se viu foi um Brasil sem poesia, nem samba, nem dança. Um Brasil sorumbático, treinado por um Parreira que é talvez o único brasileiro que come as sílabas, os pássaros e as vogais das palavras. E não me venham dizer que Ronaldinho Gaúcho é o melhor do mundo. Não é. O melhor estava do outro lado e chama-se Zidane. Creio que alguns brasileiros (e alguns portugueses também) estão convencidos de que o Brasil tem uma espécie de direito divino a ser campeão do mundo. Ora no futebol não há povos eleitos. Nem no futebol, nem no resto. Aquele Brasil sem festa mereceu voltar para casa. Foi pena. Mas talvez a lição faça bem e da próxima vez tenhamos um Brasil a jogar com as sílabas todas.
2. Também gosto da Argentina de Buenos Aires, dos seus arrabaldes e dos seus tangos, da incomparável orquestra de Francisco Canaro e do génio de Astor Piazzola, que desconstruiu, subverteu e reinventou o tango, a Argentina onde a palavra Sul encontra o seu exacto lugar geográfico. Gosto da Argentina da prosa e da poesia de Jorge Luis Borges, aquele que fala de uma "região onde o ontem pudesse / ser o Hoje, o Ainda, o Todavia." Esse espaço mítico do Sul ou dos bairros do ciúme e faca de Buenos Aires, o ritmo de Canaro e Piazzola, assim como a escrita de Borges, aparecem na inspiração e no fulgor dos seus jogadores de futebol. Maradona era isso tudo. E talvez mais. E nesta selecção, talvez uma das melhores de sempre, percebia-se um pouco de toda a beleza e mitologia que há nos versos de Borges, nos bairros ou nas pampas sem fim que terminam no sul do Sul. Mas um tipo estranho, chamado Peckerman, resolveu deixar o tango, o poema e o Sul no banco. Meteu Messi na gaveta e assassinou o que podia ter sido um dos melhores poemas deste Mundial.
3. Foram 120 minutos que não foram 120 minutos. Foram 120 minutos que duraram a vida toda. E terminaram com Portugal a subir ao céu levado pelas mãos de Ricardo. Poucas vezes vi uma expressão tão concentrada. Aquele homem estava em estado de graça ou de transe místico, só vi algo de parecido no rosto de Amália a cantar certos fados. Ou nas fotografias que fixaram o olhar de Manolete pouco antes de matar o miúra que o mataria em Linares. Foram momentos em que havia em Ricardo um não sei quê de místico, entre monge e toureiro. Pela segunda vez consecutiva ele abateu a Inglaterra nos penaltis. Um povo inteiro, de coração quase a estalar, ressuscitou à terceira defesa e saiu para a rua quando Ronaldo entrou a matar. Honra a Ricardo, à selecção e a Scolari. Quarenta anos depois voltamos a estar nas meias-finais do Campeonato do Mundo. Continua a haver uns inteligentes incapazes de gostar de futebol ou de tentar sequer perceber o fenómeno em que esse jogo se transformou. Outros fazem questão de lembrar que há mais mundo para além do Mundial e que depois tudo vai continuar na mesma. É certo que a selecção não pode resolver os problemas políticos e sociais do país. Mas há um milagre que ela conseguiu: foi despertar e entusiasmar os portugueses. Não é coisa pouca. Até porque, dizia Antero de Quental, "um povo de dormentes só no cemitério se encontrará". Graças ao futebol e à selecção de Portugal, há milhões de portugueses que vão continuar acordados. Até quando? Eis a pergunta a que já não compete à selecção responder.
4. Não serão as meias-finais nem a final desejadas pela FIFA. Portugal intrometeu-se e a selecção "canarinha" resolveu estragar a sua própria festa. Mas não só. Alterou também os planos dos senhores do futebol que já tinham projectado uma final entre a Alemanha e o Brasil. Por estas e por outras, era urgente fazer no futebol uma revolução semelhante à do râguebi: o recurso ao vídeo para esclarecer os lances controversos. Assim se evitariam tentações e se garantiria a verdade desportiva num Mundial que tende cada vez mais a ser dominado por gestores e burocratas não escrutinados ao serviço dos patrões maiores das grandes marcas. Não sei se tal revolução será possível. Os grandes interesses precisam de batota. No futebol e na vida. Que os nossos jogadores façam mais um esforço. Que joguem também contra quem nos bastidores não queria que eles chegassem onde chegaram. Não vamos ficar no quase. Vamos conseguir o golpe de asa para, desta vez, chegar além.
5. Um comentador do New York Times, com menos complexos do que alguns talentos nacionais, escreveu que, num torneio dominado pelos grandes, Portugal é agora o "Santo Patrono dos pequenos e periféricos, de todos os danados da mó de baixo." Gostei de ler estas palavras. Quando, em outros Mundiais, Maradona, que já declarou apoiar a nossa selecção, marcava um golo, eu tinha a sensação de que ele o fazia por todos os desdichados. É também por eles que os nossos vão agora jogar. Por todos os emigrantes e também por todos os imigrantes que trabalham no nosso país e já não têm outra selecção que os represente, por Angola, pelo Gana, pelo Togo e, também, se me permitem, pela Argentina e pelo Brasil, sem esquecer a minoria que, nos Estados Unidos, fez do futebol uma forma de resistência aos gostos dominantes. E até, sublime prazer, pelos nuestros hermanos que, de volta a casa, não têm outro remédio senão apoiar-nos. Vamos jogar contra uma selecção de que Le Pen não gosta, constituída por jogadores que merecem o nosso respeito. Mas temos que derrotá-los. Eles têm Zidane, nós temos Figo, as duas grandes revelações deste Mundial. E temos Deco, Cristiano Ronaldo e Ricardo, que eles não têm. Para muitos da minha geração, gosta-se da França como de uma namorada. Mas neste Mundial, a França, com o seu Platini engravatado, faz parte do campeonato dos grandes. Nós somos dos outros. Dos periféricos. Dos esquecidos. Dos da mó de baixo. Avante, portugueses, por todos os deserdados do mundo.
Rapidamente mas bem.
Falta pouco. Mas ainda falta.
Não falta pouco para tudo mas, para tudo, convenhamos, há-de faltar sempre muito.
Não ficaremos mais belos, nem mais desenvolvidos, nem mais inteligentes, nem mais endinheirados, nem menos desempregados, nem menos periféricos, depois de vencermos a França. Nem sequer seremos mais amados.
Mas também não ficaremos mais feios, nem menos desenvolvidos, nem mais estúpidos, nem mais pobres, nem mais desempregados, nem mais periféricos. E não nos amarão menos por isso, porque quem nos ama não nos ama, geralmente, "por" nada de especial: é mais "apesar de tudo".
A periferia é sempre bela. É nas periferias que fica a costa, que bate o mar, que se sente a espuma da alma. A alma é periférica: na cabeça reside, apenas, o cérebro. E alguns ossos chatos, à volta. Carapaças.
Abomino centros. Mesmo de mesa.
A seguir, com a fé do costume, e com a parva certeza de ter razão - que nunca me larga mesmo quando, a seguir, me fodo (e não me vou foder, ainda, desta vez!) -, publico mais um texto de Manuel Alegre. Bonito de belo, de sentido e de sentido e de sentido.
Foi o
Luís que mo mandou, mais uma vez. Podia publicá-lo ele, o irascível e "arrepiável" Luís. Mas não. Já vi que não. Eu acho que ele me mostra os textos porque sabe que há coisas que só arrepiam pelagens parciais, irracionais, insensatas e fraternas. Eu já nem lhe pergunto nada: ele manda, eu publico. Pelo Luís, para o
Luís e, já agora, pelos filhos de toda a gente que gosta de margens.
Há quem diga que se andam aí a estragar poetas, mas não, não andam.
Há é prosas que não são para qualquer musiqueta.
Vai já a seguir, que falta meia hora.
Tá bem, tá, ó Domenèque!
"Non, aquilo de Gallàze non fiú muà câ diç pâ èl dizâ. Muite respecte, siurtú muite respecte pur lè portiuguè.
Non, non tânhe â minhà anilhà apertadà de mêdô. Iste sont' êspàsmes... fiú calquère coizà que cômi ontème!..."
Pequena crónica simples da simplicidade
Apareceu-me lá a filha, toda de preto. Vi logo.
O Seixas tinha morrido e ela vinha de preto antigo.
Foi há um mês. Ela veio contar. Gosto de saber, gosto quando me contam as coisas.
Custou-lhe, morreu em casa, fraco, na cama. E custou muito à família vê-lo a morrer devagarinho, duas horas com falta de ar, "pode ter sido só meia hora, sabe, mas parece sempre mais".
Tinham lá o oxigénio e deram-lho. Por máscara. Alivia-nos, o oxigénio. Ao menos alivia-nos quando somos nós a dá-lo.
Disse qualquer coisa da neta e da bisneta, que está ainda no ventre jovem da neta, mas a filha não percebeu o que ele disse.
Depois morreu.
Em casa. Dantes nascia-se ali, em casa, onde se morre ainda. Com a família e com a alegria ou o desgosto de todos os que calha estarem. E dos que estão lá fora: chegadas e despedidas de telemóvel e de trovoada.
Era engraçado, o Seixas. Estava sempre melhor. Parecia sempre que gostava de me enganar o medo, enganando o seu. Educado. Bom homem. Via-se que era bom homem nos olhos dele, nos da filha, vi hoje que era bom homem nos olhos da neta. E a bisneta há-de vir aí com uns olhos de relâmpago e a trovejar a saúde do seu tempo.
É normal.
Revista dos eventos da última semana (ou talvez mais um bocadinho)
Por brio pessoal e para provar a todos os leitores (e sobretudo a mim mesma, porque a censura é insidiosa, entranha-se-nos na consciência faz-nos duvidar até de nós próprios, que dos outros duvidamos sempre - é esta, enfim, a condição humana, tão profusamente ilustrada por Pacheco Pereira, o homem que consegue o feito - notável - de só elogiar pensadores, políticos, artistas, escritores e poetas mortos há mais de cem anos) que não estou alheada do mundo real, que tenho bem presente o "modus faciendi" da política portuguesa, que sei onde fica Arruda dos Vinhos e, ainda, que se trabalha até (!) em Portugal (estando Portugal nas meias-finais do mundial de futebol - eis outro feito notável), passo a comentar alguns acontecimentos dignos de relevo nos últimos dias. Salientando desde já que a escolha é da minha responsabilidade, portanto subjectiva:
1. O Zidane não parece francês, nem magrebino-descendente (o que, sociologicamente, o faria parecer francês). Isso irrita-me, porque não consigo irritar-me com o Zinedine como me irrito com o Beckham, que só joga quando a bola está quietinha, pousada no relvado e que não cabeceia para não estragar a
mise, ou com aquele pernilongo chamado Peter Crouch, cuja figura bizarra ajuda, nos momentos mais fervorosos, a escarnecer do povo britânico, ali perante a prova decisiva de que são eles, de todas as nações do mundo, a mais propensa a produzir aquela espécie de bizarmas. O Zinedine tem boa figura, é um equivalente do Figo (em mais careca, enfim) e passeia-se no relvado com a mesma majestática atitude, essa arma secreta que intimidou e derrotou os Rios Ferdinands e os VanBronkos. Chateia-me, isto, porque quando na quarta feira ganharmos à França vou sentir pelo Zidane, que não sabe disso mas a verdade é que nascer francófono não é, decididamente, grande referência abonatória. Agora mais do que nunca.
2. Manuel Alegre não tem noção disto, mas é fácil perceber que ele foi, no Sábado passado, uma espécie de fada madrinha da selecção. O JPP diria (ou terá dito?) que aquela crónica é oportunista e que tem notórios objectivos políticos, acrescentando talvez que não é inocente, aquela referência ao próximo congresso do PS. Ah, pois. JPP cumpre a sua nobre missão social: critica, claro, com
convicção moral.
3. E Freitas do Amaral? Será inocente, a escolha da véspera do Portugal-Inglaterra para anunciar a partida? E a permanência de Scolari em Portugal, será um assunto de Estado? E Cavaco Silva, esse
passionario, terá interrompido a análise do orçamento de estado para ver as defesas do Ricardo? Mas o que é isto, meu Deus? A política subjugada ao futebol? Não, não é possível.
E assim vai o país (e o Zidane, por osmose).
Só mais uma coisa: Portugal ganha à França, na quarta feira. É certinho.
Mas isto não é assunto de relevo - nem eu estou aqui para falar de futebol.
Pardon my french
Se eu gosto da equipa francesa?
Se o Zidane é muito bom, talvez o melhor jogador da última década, usurpando o lugar que seria, com naturalidade, do Pedro Barbosa (isto, se o Pedro não fosse um amuadinho do caraças, raios o partam, ou se o Sporting não tivesse desperdiçado tanto tempo a contratar e a manter
betos e
betinhos para limitarem o Pedro a ter de se bater com os tipos do Paços de Ferreira e do Gil Vicente e do Guimarães, em lugar de andar a papar "Liverpúis" e "Manchesteres" e "les quejandes alternatifs")?
Se o Henry é um predestinado com tendência para o autismo talentoso e, convenhamos, um bocadinho estranho?
Se o Thuram é o único defesa central que é mesmo bom e que usa óculos (ele depois tira-os) e que, ainda por cima, é um tipo esperto e interessante? Apesar de ter nome de gaja (chama-se Lillian, ou assim, é bastante chato)?
Não. Não me apanham assim. Não respondo a estas coisas. Agora não posso. Agora, azar. Não, não respondo a essas provocações de mariconços, deixem-me, não insistam.
Desculpem, mas eu agora quero que se foda a França.
Eu não sei se há aí alguém que se chame Besugo e que esteja convencido que a França nos vai ganhar. Sei é que há um tipo chamado Maradona (com maíuscula) que disse que quer que Portugal ganhe o campeonato do mundo. E que há um besugo (com minúscula) que quer o mesmo que quer (ou diz querer) o Maradona. Com maíúscula.
Não me chateiem. Eu detesto os emigrantes que, no seu regresso "vacancional" à Pátria, me irritam com francesices. E, já agora, com "suicices". São os piores, os "xuíxos", eu penso que deve ser do esguicho do Lago de Genebra, que cria ali uma espécie de
brainstorm em alguns
brainless, mas o meu estudo sobre isso ainda vai na fase 2. Não, palavra de honra: não é quando me vêm com portuguesices que os emigrantes em França me enervam: nessas alturas, quando regressam - em lugar de parecer que se ausentam da verdadeira casa para fazerem o frete de nos vir cá apontar o dedinho acusador e humilhado, de unha surrada -, pelo contrário, é como se me chegasse a casa a família inteira.
Penso que chegou a altura das afirmações gratuitas. Neste caso, "gratuitas" quer dizer que os senhores não terão de pagar rigorosamente nada por elas, que sou eu que as vou proferir, embora eu possa vir a pagar por isso. Basta Chirac e Le Pen lerem esta prosa e fazerem queixinhas ao homem dos pulsos finitos, o senhor pimeiro ministro de Portugal (o que é muito provável) para eu poder estar à pega, à conta da minha língua cada vez mais digital.
Mas vai na mesma.
O Ribery é um tosco de merda, ainda mais feio do que o Tevez. E que julga que entrar pela actual meia-defesa do Brasil (Zé Roberto nem sequer era titular do Belenenses, caramba!) é o mesmo que derramar-se pela defesa lusa adentro. Não é. E tem tiques de marselhês, o anormal: parece sempre que vai aparecer o Bogart e seviciá-lo numa favela qualquer, de chuteiras.
O Sagnol é uma espécie de trolha. Quando vai a uma bola, fico sempre à espera que comece a cimentá-la e a alisar-lhe os cantos com uma pazinha.
E o Barthez? Esse é uma espécie de Cantona em piorado, em careca e (pior que tudo), em "maman, que je sens bien la faute des bisous de Laurent Blanc!".
Do Zidane, do Vieira, do Thuram, do Henry e do Makelele não falo. Gosto deles.
Mas quero que se fodam na mesma. Isto é como o sol.
Desculpa lá, ó Roo: tu partes quem?
Estes britânicos são uns maçadores. Logo agora que devia concentrar-me um bocadinho nos engraçados (e, também, praticamente imprestáveis)
"uh!la-la!, avec alors par ici?" verifico que os
"inguelêndeas" ainda não meteram a viola no saco e continuam a gemer fadinhos agastados. Que "gaitinhas"!
Isto nem sequer é estranho, de facto.
Agora estão a propagandear a ideia peregrina de que aquela espécie de leitão avantajado que responde por Rooney (ou por Roo, para rimar com qualquer coisa, às tantas - mas, curiosamente, não é com "fart", que é a palavrinha que eles mais usam quando querem fazer piadas subtis e rimadas... tenho de pensar melhor nisto, que o humor inglês é muito apreciável desde que não se tenha mais nada para fazer e que não estejamos a jantar) terá ameaçado que vai partir o Cristiano em dois, logo que o apanhe.
Ora vamos lá a ver: não se partem assim as pessoas, valha-me Deus! E logo às metades!
Que coisa de "butcher"!
Além disso, a julgar pelo espécime português que o leitão quer rachar, tanto do ponto de vista morfológico (eu até o dei ali em cima à estampa, vê-se mesmo que aquilo é só chegar lá um Roo qualquer e quebrar aquilo a meio, valha-nos Deus) como do ponto de vista temperamental (estou a lembrar-me dum famoso Manchester United - Arsenal em que toda a equipa dos "gunners" molhou a sopa no Van Nistelrooy e quase só o Cristiano é que defendeu o colega e ainda afinfou uma solha no Keown, que era aquele defesa central do Arsenal que fazia lembrar o professor Astromar, personagem licantrópica duma novela brasileira antiga), quer-me parecer que o Roo-Roo vai precisar de ajuda. Talvez do
Van-Coiso, o tal que o Cristiano defendeu, na altura em que o holandês estava a levar uns bastos calduços e que, agora, parece que também não aprecia grandemente o português, ou do Rio Ferdinand (que é um dos maiores
bluffs da história dos defesas centrais inteira! não é só a dos defesas centrais peneirentos que usam rastas, não, é mesmo de toda!).
É que, se se verificar uma abordagem solitária do atarracado e rubicundo "pisa-escrotos" ao assomadiço madeirense, é bem possível que o resultado seja diferente do que preconizam os
"rulebrittaniaienguelendes".
Eu agora dirijo-me a ele, ao "abuldogado" ameaçador com cara de "roo", que é para acabar com isto. Primeiro na língua pátria e depois em inglês
by google, que para ele basta assim:
"Roo, meu rapaz: tu vê lá! Tu, a quereres atacar o homem, leva "dudes" contigo, ataca em alcateia. Quando não, ainda acabas por ficar entrevadinho, como na fotografia. Sempre a considerar-te. Um leitãozinho, sim."
“Roo, my youngster: you see there! You, the fondnesses to attack the man, take “dudes” with you, attack in alcateia. When not, still you finish for being entrevadinho, as in the photograph. To always consider you. One leitãozinho, yes.” Pronto. Agora posso concentrar-me nos "costureirinhos das baguettes", que eles também andam a pedi-las.
Já agora, Brasil. Parte 1.
Não acredito em duas coisas, assim de repente:
1. Que Correia de Campos seja um bom ministro da saúde.
2. Que os brasileiros não estejam mortinhos por nos ver "fora da carroça".
Dispenso-me de explicar o ponto 1, até porque admiro profundamente o senhor, do ponto de vista estrutural (não sei o que quero dizer com isto, mas não se preocupem, tenho isto tão entranhado que não me preocupa mais que uma tatuagem de que me arrependesse).
Já o ponto 2 explico.
Em 66, no jogo com a Coreia (e eu li isto bastante mais tarde, aí pelos quinze anos, escrito pelo Carlos Pinhão, pai da Leonor, num daqueles livros da colecção
"Quinze... qualquer coisa" , este volume chamava-se "Quinze êxitos desportivos" e também se contava lá a história do Baptista Pereira, do Joaquim Agostinho, etc.
Parece-me que foi o Carlos Pinhão. Teria sido o Vítor Santos?
Bom. O certo é que os brasileiros "amigos-da-onça" estavam piúrços. Tínhamos acabado de ganhar ao Brasil e eles deglutem mal este tipo de desfeitas. E qualquer outra. E, pelos vistos, quando estávamos a levar 3 secos dos coreanos, os tipos deliraram. Que não jogávamos mesmo nada, que
"só ganharam do nosso escrete - eles não sabem dizer equipa -
porque arrumaram Pelé!".Depois ganhámos 5-3 e os tipos calaram-se. Mas ninguém me tira da cabeça que, na meia-final, torceram pela Inglaterra. E que rejubilaram com a vitória dos "bifes".
Não. Estes tipos não são de fiar. São o tipo de gente que, se não ganha, fica feliz por não serem os amigos a ganhar. É por isso que cada vez têm menos amigos, mas isso é lá com eles.
França: parte 1
Bom, vamos agora pensar um bocadinho na França.
Passando os olhos pela imprensa francesa, temos os tipos a tentarem ser politicamente correctos, ou seja, a expressarem um profundo respeito pela equipa portuguesa.
Não é nada disso. Aqui há uns anos largos, o Porto entrou num torneio em França, de futebol de 7, daqueles "indoor" que as equipas francesas promovem por alturas da "trève", quando o campeonato deles pára. Penso que foi em Bercy, mas não juro.
Bom, o Porto estava naquela sua primeira grande maré europeia, ou às portas dela, já não me lembro. Jogava que fartava e dava gosto, mesmo a quem não era portista.
E, já se sabe, o pavilhão estava cheio de franceses, misturados com muitos portugueses (emigrantes, naturalmente), porque o jogo era, salvo erro, contra o Bordéus... ou seria o PSG? Há-de haver portistas que se lembrem melhor disto que eu, pelo menos dos detalhes.
Mas o que aqui vos trago, para vos recordar da proverbial
délicatesse dos franceses, é o seguinte: não sei o resultado final (eu, a bem dizer, devia estar maluco quando comecei a escrever isto, é só "brancas"... agora já está em marcha, siga), mas sei que o Porto esteve a ganhar e, nessa altura, os nossos cantaram e gritaram "Porto, Porto". E eu com eles, que eu estou sempre com os nossos mesmo quando não sou convocado por eles. Bom. A alegria dos nossos provocou nos bretões uma reacção abominável, que tivemos de tragar e calar. Começaram a grunhir "portugais, au chantier!", o que não é bem a mesma coisa que puxar pelos seus. É ser baixo. Muito baixinho.
A França é um país esquisito. Em 100% das vezes que os boches decidiram conquistar o mundo, entraram pela França dentro a perguntar as horas aos bretões. Nessa altura, estiveram caladitos, não cantaram, e lá disseram as horas.
A França é um país em que quase toda a gente tem qualquer coisa de cabeleireiro (esta não é minha, li algures, não me lembro onde) e de denunciante. A França bretã é uma nação execrável, chocarreira, que desmerece as suas excepções. Hugo, sim, mas não apenas Hugo. A França branquinha do senhor Le Pen e do senhor Chauvin, do senhor Chirac e do senhor Pétain, não merece vultos como o senhor Verne, o senhor Flaubert, o senhor Proudhon, o senhor Platini.
A equipa francesa que está no Mundial, com Vieira, Zidane, Barthez, Ribery, Gallas, Thuram e Henry, é uma excelente equipa de "velhas ratas manhosas e talentosas". Eu, da equipa, gosto.
Mas a verdade é esta: a França bretã, de Le Pen e dos novos tontos que o escutam e que com ele se babam (como já escutavam em Bercy, naquela noite, mesmo que ele ainda andasse em período de congeminação do pecado de se babar), não merece esta equipa.
Façamos um favor à equipa francesa: ganhemos-lhes. Eles, os velhos heróis de 98, não querem ganhar. No fundo, não desejam dar mais nenhuma alegria a uma França cada vez mais pequena, que não os ama. Que não se ama.
Vão estar fragilizados nisso, os "bleus"? Vão, sim. Mas também pode ser que se unam à volta de si, antes que os bretões lhes relembrem a pouca brancura e os destinem "au chantier".
Muito cuidado, rapazes.
Mas é para ganhar, desta vez. Sem medo nenhum.
Ciência de besugo.
O vento bonito
É assim com as bandeiras todas. Ou devia ser.
"Que cada um faça bem o seu trabalho". E, já agora, o seu descanso.
Mais nada.
Aqui acreditamos nisso e estamos, por isso e por muitas outras coisas, muito contentes.
E gratos.
Convicção moral
1. Um distinto jornalista quis falar comigo sobre o próximo congresso do PS. Escusei-me. O que neste momento me aflige é saber se Cristiano Ronaldo joga ou não. Como milhões de portugueses, só penso no Portugal-Inglaterra. É só um jogo, dir-me-ão. Pois aí é que está o busílis: é só um jogo. E um jogo é um jogo é um jogo, escreveu uma colunista do PÚBLICO, parafraseando Gertrude Stein. Um jogo. E por isso este aperto no estômago e na alma. Porque só pode haver um resultado. E uma vitória é uma vitória é uma vitória.
2. Desde 2002 que nenhum jogador da selecção portuguesa tinha sido expulso. Há, no entanto, uma campanha para tentar fazer crer que somos um país de trogloditas, com uma selecção constituída por malfeitores. Portugal é suspeito de ser um perigoso candidato a estragar os planos dos donos da FIFA e poder vir a intrometer-se em meias-finais mais ou menos predeterminadas. Eriksson mostrou mais uma vez que é um cavalheiro. O mesmo não se pode dizer de jornalistas ingleses que por todos os meios procuram pressionar a arbitragem e provocar a nossa selecção em termos que, por vezes, roçam a grosseria e o insulto. Mais estranho é que um jornalista português, na véspera do Portugal-Holanda, tenha perguntado ao árbitro Ivanov se achava que Portugal se ia comportar melhor do que na Coreia. Talvez o nosso destino, desde aquela "primeira tarde portuguesa" (assim se referiu Alexandre Herculano à batalha da fundação, em S. Mamede, Guimarães ), seja o de, antes de enfrentarmos os outros, termos sempre de começar por aturar alguns dos nossos.
3. São muitos os interesses que dominam o Mundial. Festa dos povos por um lado e, por outro, uma espécie de nova luta de classes entre quem tem o poder e quem o não tem. Esteve bem Pauleta, na conferência de imprensa onde, com firmeza e elegância, defendeu a dignidade da selecção e do país. "O Mundial não se joga só no campo", disse ele. Pois não. E talvez não tenha sido por acaso que o presidente da FIFA tenha feito mais uma insólita declaração, desta vez a elogiar Klinsmann e a selecção alemã. O que é quase uma indicação de voto sobre as suas preferências para a final. Escrevo antes do Argentina-Alemanha. Mas toda a gente sabe quem é que a FIFA, além do país organizador, gostaria de ter na final. É importante que a nossa selecção saiba que, contra os interesses instalados, o país está com ela. Por isso, perante o silêncio dos que tinham obrigação de falar, gostei de ouvir o primeiro-ministro José Sócrates a fazer o elogio do espírito de equipa e da liderança de Scolari. Como no filme de Nanni Moretti, apetece-me dizer-lhe: Façamos qualquer coisa de esquerda, continuemos a apoiar a nossa selecção, porque nesta luta de classes mundial os jogadores portugueses estão a ser discriminados.
4. E ao quarto dia Zidane ressuscitou. Como já tinha acontecido com Ronaldo renascido e reencontrado com a sua incomparável arte de marcar golos e com um Figo rejuvenescido no comando da selecção de Portugal. Afinal, até agora, as grandes revelações foram as dos que há muito já se tinham revelado. Esperavam-se os novos, apareceram os "velhos". No futebol, como na política, o marketing anda frequentemente desfasado da realidade. O génio do futebol é o que, na hora da verdade, escreve na relva a sua diferença. Como fez Zidane, de quem, parafraseando T. S. Eliot, se podia dizer: "No meu fim está o meu princípio."
5. "Amargo caminhar, porque o caminho / pesa no coração." Assim escreveu o grande António Machado, assim foi o incompreensível e amargo caminhar da selecção de Espanha. Prometeu tudo no primeiro jogo, mais uma vez promessa não cumprida. Os jogadores entraram em campo tristes e sombrios. Não se ganham jogos assim. Vi lágrimas nos olhos de rapazes e raparigas que em Madrid olhavam para nenhures como se ainda não acreditassem. Talvez seja esse o problema da selecção de Espanha: chega o momento decisivo e duvida de si mesma. Amargo caminho. Um peso no coração.
6. Estou cansado de ler e ouvir que melhor seria que Portugal, em vez de estar entre os oito melhores do mundo de futebol, ocupasse idêntica posição noutros domínios. Parece que mesmo quando vamos além gostamos de nos sentir aquém. Por que é que não estamos à frente na ciência, na educação, na economia? Não é com certeza por culpa do futebol. Lembro-me de um discurso de Felipe González, quando ganhou as primeiras eleições: "Que o pedreiro trabalhe a pedra com convicção moral, que o romancista escreva o romance com convicção moral, que cada um faça o seu trabalho com convicção moral." O meu amigo Miguel Sousa Tavares diz que tem mais orgulho em António Damásio e Maria João Pires do que em Figo e Cristiano Ronaldo. Eu tenho o mesmo orgulho em todos eles. Porque cada um faz bem, com talento e brio, o seu trabalho. Com convicção moral, expressão que vem talvez de Manuel Azaña. Continua a ser preciso que cada um faça bem o seu trabalho. António Sérgio dizia que a reforma das mentalidades era condição de todas as outras reformas. Scolari reformou a mentalidade da selecção. E por isso Portugal está entre os melhores no futebol. Que esse exemplo frutifique e nos ajude a ganhar outros campeonatos, sobretudo o campeonato contra nós mesmos e certos males atávicos: incultura, iliteracia, incivismo, inveja e maldizer. Basta de golos na própria baliza. É tempo de jogar para ganhar. Com brio e convicção moral. Como têm feito os nosso jogadores. Eles cumpriram as suas obrigações. Que outros cumpram as suas.
7. Meu avô Mário Duarte, que dá o nome ao estádio de Aveiro e foi considerado o desportista português mais completo, costumava dizer a meu pai e meus tios, todos eles campeões em várias modalidades: "É preciso saber ganhar com humildade e saber perder sem azedume." Depois, cofiava o bigode e acrescentava: "Agora livrem-se de perder." É o que me apetece dizer, com toda a fraternidade, aos jogadores da selecção de Portugal.
(Manuel Alegre, no Público, para toda a gente)
Vamos lá a ver, então.
O
Luís Aguiar-Conraria mandou-nos, por
e-mail, este texto que me fez chorar, cerrar os dentes e, depois, sorrir de calma.
É um texto de Manuel Alegre. Muito bonito e muito bom. Vem no
Público.
Fui espreitar e vi que o
Luís não o publicou no seu blog. Eu gostava de perguntar-lhe se acha que faço bem em publicá-lo eu, uma vez que ele o não fez, ou se preferiria que nem se falasse nisso. Mas não posso, em tempo útil não posso. Ele há-de estar a vestir a camisola do Figo enquanto acaba uma tese qualquer, tudo a tempo de ver o jogo
Não sei se infrinjo alguma lei, sequer. Os nossos juristas residentes estão, ou em parte incerta (caso do Alonso) ou a preparar-se para sofrer até onde for preciso (caso da lolita).
Portanto, decidi sozinho. Se o
Luís Aguiar-Conraria levar isto a mal, terei de lhe pedir desculpa e esperar que me perdoe. Se o
Público me processar, terei de me calar e, em não podendo alegar desconhecimento de lei nenhuma que nos governe, alegarei que estava com uma fé de tal tamanho, uma vontade tão grande e, sobretudo, de tal maneira comovido que me não contive.
E pagarei o preço que for preciso, embora me pareça que o texto é de Manuel Alegre - e não do
Público -, e que ele me diria "tem calma, menino!", se me visse em apuros.
Vai já a seguir. Antes do jogo que, mais do que ganhar, "temos de livrar-nos de perder".
Vai a seguir, vai à parte, porque as coisas que são muito fortes e muito bonitas não carecem de comentários introdutórios nem de notas finais.