Caríssimo René (é a brincar, mas não vale chamar-me Michelle, ou assim!)
Estamos naquele período do ano que é chato como o caraças, nos hospitais: o trabalho mantém-se, mas é repartido por menos pessoas.São as férias, as excelentes férias.
Agora estão alguns a descansar, trabalhamos nós mais; depois, estaremos nós no retempero e, nessa redentora ocasião, sobrará o excesso para os retemperados.
É a vida: não há férias médicas, não há férias enfermeiras, não há férias farmacêuticas, nos hospitais. Há médicos de férias, enfermeiros de férias, farmacêuticos de férias - mas os serviços têm de continuar a funcionar.
Parece que se quer que seja assim, também, nos tribunais, mas afigura-se-me difícil atingir esse desiderato, fundamentalmente "porque sim". "Porque sim", neste caso, basta-me: eu não aspiro a possuir judiciais discernimentos, muito menos sobre as complexidades das judiciárias pessoas.
Isto não é tabú: é mesmo assim. Isto de tribunais e magistraturas funcionais é toda uma outra complicação, uma complicação de grandíssima complexidade, não dá, eu nem me atrevo, pronto. Boas férias, sim?
Eu gosto mais assim, desta coisa da parte A e da parte B das férias, embora isso me deixe menos tempo para outras coisas, como - por exemplo - falar com o Mário. Estou na parte A das férias, está visto. A parte A das férias é "as férias dos outros".
O Mário desafia-me a dizer o que penso sobre a questão premente da reforma de Manuel Alegre; e eu, que nem sabia da existência desse gravíssimo problema, fui ler sobre ele.
Li alguns jornais, li a Visão e, se quer que lhe diga, parece-me bem. Não vejo ali nada de condenável, nem sequer sob o ponto de vista daquilo que parece ser, agora, uma espécie de cruzada moral atiçada sobre Manuel Alegre.
Sejamos francos: tudo isto não passa dum dardozinho de pequeno veneno, lançado por zarabatana fina, sobre as costas dum homem que tem contra si, fundamentalmente, mais do que o facto de declamar, o de proclamar - e, geralmente, bem alto.
Ora, quem proclama alto tem de ser como um anjo: sem sexo e voando sempre muito alto. Sobretudo muitíssimo mais alto que as suas proclamações.
Isto é uma estupidez injusta, mas é mesmo assim. Por quê? Porque se calha parecer, ao "sniper" emboscado, que o anjo, voando sempre, voa - por momentos - mais baixinho que o costume e que, nesse voar mais acessível a quem se embosca, pia ainda mais grosso que habitualmente, zumba: sai logo furtivo chumbo de pressão de ar, uma espécie de guinchozinho, do caninho fino apontado pelas mãozinhas trémulas e envergonhadas da sua intrínseca contradição entre uma cronha pesada e um gatilho leso.
São homens doutra bitola, de facto, estes anjos. Como Manuel Alegre. É o que eu retenho.
Como o Mário sabe, Manuel Alegre é aquele tipo de pessoa que corre o risco de, em continuando a mover-se na vida como o tem feito sempre, vir a ser acusado de furto de algálias, aos 85 anos, numa farmácia qualquer. E de essa acusação vir na primeira página dos jornais de quinta, seguida de desmentido (na página dezoito) dos jornais de sábado - por se descobrir, entretanto, que Manuel Alegre tinha, por exemplo, afinal, conta aberta na farmácia. E que pagava ao mês.
Portanto, ou o Mário me explica melhor os contornos desta coisa toda, ou os contornos desta coisa toda são, para mim, estes: peidolas frustres de Mendes e Almeidas, dedicadas a narizes delicados e a substituir os incêndios nas paginas dos matutinos, dos vespertinos e dos restantes papéis que diariamente se imprimem para embrulhar besugos.
Fui, também, ver a polémica que vai no Saúde SA. O Mário aprecia discutir corporativismos, centra-se nisso - que diabo, homem, você não muda mesmo, é pior que eu! - e, pelo que vi, tem levado ali no lombo como um general. Não me parece que precise lá de mim, para o zurzir ainda mais...
Isto sim, é um desafio. Se bem o conheço, você vai aceitar isto: continue a esgrimir no Saúde S.A., que eu vou lá ler. Mas se quer (e eu espero que queira, acho que nunca sorri tanto enquanto resmungava impropérios como naquele tempo em que nos pegávamos ambos, porque você não acreditava que eu receitava genéricos, e eu insistia em lhe atirar com o Lasix à cara!, lembra-se?) converseta, falamos aqui, cada um do seu covil.
Se aceitar, fazemos assim (até porque você é guerrilheiro de várias frentes e consegue manter as outras todas): eu discuto daqui, o que o Mário quiser. E você, comigo, discute daí. Até futebol, se quiser, embora disso o meu amigo perceba pouco. Percebe, contudo, bastante mais do que aquele maradona com minúscula, um que apaga o blogue a cada quinze dias - e deve ter pena de não poder fazer o mesmo com o que rabisca na revista Atlântico, mas aquilo fica impresso, é chato.
Um abraço firme de quem o estima firmemente, mesmo tendo você esse seu mau feitio de pirata poveiro e truculento.
(Mas que você tem levado no lombo no Saúde S.A. caramba, isso tem...)
<< Home