Isto penso mesmo.
Nada entendo de sistemas educativos. Não estudei isso.Mas fui estudante. Fiz, mesmo, aquele ano propedêutico que substituiu o serviço cívico, antes de haver 12º ano. E entrei em medicina com 17,9 valores, o que faz de mim duas coisas: um inenarrável marrão, naquela altura; e um potencial "barrado" à entrada, hoje, por insuficiência de nota.
Mas lá andei. Não saberei, portanto, mais do que o que sei por dentro: fui estudante. Antes de ser médico não fui mais nada, fora disso; depois de ser, quase que também não.
Pensem nisto: no nosso ensino secundário actual falta uma coisa que no meu tempo havia. Tempo. Tempo para estudar.
Era aquele tempo da tarde quase inteira que dava para quase tudo. Para fazer carambolas no bilhar do Borrajo ou do Nacional, para tocar viola com o Beto, o Guerra, os Pinhos, estudar, tomar banho no rio em Dezembro, estudar, mirar olhos de moças como se os olhos delas nos mirassem igualmente (era mais raro), escutar Pink Floyd e Triumvirat, estudar, saber de Peter Frampton e Rick Wakeman, estudar, jogar futebol, nadar, estudar, ler Eça e Sommerset Maugham à desgarrada, cantar, ensaiar beijos e amassos entre trabalhos de grupo que valiam só por isso, fazer o totobola e imitar Travolta no Saturday Night Fever, sempre mal. E estudar.
Mas havia tempo. Os tipos de agora não têm tempo. Em lugar de irem estudar para o café, para a biblioteca, para casa, na cama, na mesa, ou no sofá - ao seu ritmo, a melhor triagem é esta, a do ritmo, sabiam? - , ficam na escola a ter "estudo acompanhado" e "actividades".
Nunca estão sós.
Nunca podem escolher estarem sós, sem terem falta. Não conseguem, assim, conhecer o seu ritmo, o seu pulsar, o seu sentir. Estão sempre em manada. Cheios de vontade de sairem dali, mas cada vez mais presos a programas de sucesso que lhes fizeram, pelas costas, para depois lhos espetarem, como facas, no peito ainda virgem.
Eu não gosto disso. Falta-lhes tempo para amadurecerem sozinhos - no tempo escasso que também lhes falta - o que vem nos livros e escutam nas aulas. Que, depois de lerem - ouvirem -, deviam pensar sós; ou com quem escolhessem.
E, bem vistas as coisas, falta-lhes tempo para quase tudo: arranjaram agora uma espécie de gestores do tempo, que não são bem relógios de pulso, um por cada pessoa, mas que são ainda piores. Orientam tudo (e sempre mal), porque complicam: não passam de ponteiros luminosos em relógios atrasados, de feira franca, mas cuidam ser de marca.
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