Esguichos de besugo
A guerra é uma espécie de ordálio. Não sei se me engano muito se disser que é nela que o homem resgata a sua humanidade.Eu tenho um irmão que, como eu, já foi mais novo.
A dada altura da sua vida, aí pelos seus quatro anos (e pelos meus oito), adquiriu uma mania estranha que consistia em colocar os dedos duma das mãos (ou de ambas, ele alternaria as extemidades superiores, suponho eu) na superfície lisa e potencialmente escaldante do ferro eléctrico que se equilibrava na ponta metálica da tábua de passar a ferro da cozinha.
Algumas vezes saiu-lhe bem a tropelia: estava desligada e fria a infernal engrenagem. Outras, queimou valentemente os dedos. E chorou o ranho babado dos cheiros de sua carne assada.
Cuido que, depois de sete tentativas, umas bem sucedidas, outras mal, parou com isso. Hoje em dia tem, até, um filho. Que tem potencial ronha - convenhamos - para a mesma odisseia experimentadora.
Ou seja, o meu irmão resgatou-se sem necessidade de reexperimentação adicional à sua experimentação aceitável. Como fazem todas as pessoas que dedicam ao empirismo mais atenção que a que devotam às bancadas parlamentares e à casmurrice bélica dos poetas mortos na bancada.
Como há-de fazer o filho dele.
O meu sobrinho.
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