Blogame mucho
29.5.07
Por falar em Direito e em penas, de vez em quando lá surge a notícia da aplicação da bisonha pena de admoestação. A admoestação é, na prática, o lado humorístico da praxis judiciária: basta imaginar um matulão que, por exemplo, se envolveu numa rixa com o vizinho do lado por causa do cheiro a sardinha assada, e que, ponderados os factos e atendendo ao diminuto grau de culpa e ilicitude, vai condenado a levar um sermão de um juiz, eventualmente ainda imberbe e a fazer enxoval, que o insta a nunca mais praticar comportamentos censuráveis e a portar-se bem dali para a frente, com a advertência de que, ocorrendo nova rixa, o tribunal já não será tão magnânimo. É, afinal, a voz da justiça perfeita, a voz da justiça messiânica, enfim, o juiz com voz divina, que condena o arguido ao castigo supremo: "depois de eu lhe dar este justo e firme sermão, vai ver que se sente culpado por se ter portado mal".
Culpas absolutas
O espanto geral, promovido pelo Público, sobre o acordão do STJ que reduz a pena aplicada a um crime de abuso sexual tem uma dimensão alarmista comparável ao ruído que se levantou quando aquele sargento da Sertã que fez desaparecer a pequena Esmeralda estava a cumprir pena de prisão. Se quisermos, pode-se reduzir a aplicação do Direito a uma meia dúzia de imperativos categóricos implacáveis, de forma a que a judicatura se transforme numa simples actividade administrativa de subsunção dos factos à regra - o que é bem diferente da subsunção dos factos ao Direito. Se quisermos, podemos absolutizar a aplicação do Direito, sem se cuidar de saber de atenuantes, mas também sem saber de agravantes.
O STJ mais não fez do que introduzir na medida da pena uma dimensão de justiça material, que parece, a quem assim quer ver, um desgravamento da culpa do abusador, mas que na verdade introduz o prudente e imperativo critério do grau de censura da prática de um crime. Mas a verdade é que parece ser pacífico que, na nossa consciência, é bem mais grave abusar sexualmente de uma criança do que de um pré-adolescente. Foi isto, afinal, que o STJ fez: exprimir essa censura social, adequando a medida da pena ao grau de culpa - facto esse que parece, curiosamente, merecer críticas do António Cluny, para quem a validade jurídica das decisões judiciais pode ser posta em causa por causa de considerações de índole moral (como, e eu espanto-me, se o Direito não fosse tributário da moral social).
O STJ diminuiu a medida da pena. Mas suspeito que se, pelo contrário, se tratasse de um menor de cinco ou seis anos e o STJ a decidisse agravar, já se calariam as vozes da censura - o que vale por dizer que se saciaria a sede do castigo de Talião, que no fundo, lá no fundo, a todos redime.
25.5.07
Prémio "Em biquinhos de pés a dizer coisas muito engraçadas com um ar (muito) sério"
"O CDS-PP é um partido médio, depois há os outros mais pequenos..."Telmo Correia, ontem no Jornal da Noite da TVI
23.5.07
Eu, em matéria de divórcios ...
... já percebi que tenho uma opinião ainda mais fracturante do que o Bloco de Esquerda.Sinteticamente, é a seguinte, traduzida em 4 simples afirmações:
1 - o casamento civil não tem hoje, nem utilidade, nem sentido.
2 - Pelo que devia acabar, como contrato previsto e regulado no código civil.
3 - Como os casamentos religiosos não "contam" para a lei, deixaria de haver pessoas casadas.
4 - E assim, acabavam-se os divórcios.
Senão, vejamos:
O casamento civil pode ter tido algumas utilidades na sua génese. Mas perdeu-as.
A primeira, como imitação que era do casamento religioso para quem não fosse religioso, num tempo em que o estatuto de "casado" tinha alguma importância na sociedade ----> hoje isso já não significa nada, e ninguém é socialmente considerado ou desconsiderado pelo estado civil que tem ou teve mas deixou de ter;
A segunda, pelos efeitos de "consolidação patrimonial" e de "legitimidade" de filhos que tinha ----> hoje essa consolidação patrimonial perdeu todo o sentido (salvo quanto a dívidas, mas já lá vou) e já não há filhos "Legítimos" nem "Ilegítimos";
Assim, que interessa casar (tirando o óbvio sonho do vestido branco e dos sinos a tocar, mas isso é para jovens sonhadores e não tem nada que ver - de qualquer modo - com o casamento civil) ???
Bom, ao Estado interessa pouco menos que nada. assim de repente, só me estou mesmo a lembrar que possa ter interesse para ... a banca.
A este propósito conto uma história típica, e real. A Gisela casou com o André. Antes de casarem, compraram uma casa, recorrendo a financiamento bancário. Ano e meio depois, decidiram divorciar-se. Descobriram, com espanto, que era mais fácil o divórcio que o casamento. Não há editais, não há período de reflexão ... nada. É só requerer na conservatória e ir lá na data marcada.
Esqueceram-se ... do banco. Não conseguem vender a casa, decidiram que ela ficaria para um deles e, quando foram dizer isso ao banco, a resposta foi ("Nós não libertamos uma das pessoas que nos pediram o empréstimo, têm que vender a casa ou permanecer juntos no contrato connosco até ao fim")
Tem graça, não tem? Juntos até que amorte os separe já lá vai (passou a "Infinito enquanto dura", como diz a lolita), passou apenas a ser "Juntos até que acabem de pagar a dívida".
É ... o casamento, enquanto contrato, é uma realidade muito mais descartável - e inútil, até - do que um "mútuo com hipoteca".
Eu ia acabar este post escrevendo "agora a sério, acho mesmo que o casamento civil, mais o divórcio para acabar com ele, deviam pura e simplesmente desaparecer do ordenamento jurídico".
Mas não é preciso, porque eu acho mesmo isso.
Contrato que pretenda regular afectos é - na essência - um equívoco. Que devia acabar.
E talvez, assim, as pessoas percebessem melhor o que é, na verdade, um "casamento". Porque ele pode ser - e é - muitas coisas, mas um contrato é que não é de certeza absoluta.
22.5.07
Infinito enquanto dura
Não vejo muito bem o que tem de fracturante a proposta do Bloco de Esquerda sobre os divórcios unilaterais. A verdade é que o casamento como sustentáculo das sociedades é, desde o século passado, uma verdadeira obsolescência. Como se faz notar aqui, o casamento serviu durante muitos séculos de certificado de paternidade dos descendentes e de meio para assegurar a perpetuação do património familiar, nos tempos em que os estatutos sociais se suportavam na posse patrimonial. Hoje, aqueles desígnios são anacrónicos; o casamento, que durante quase um milénio foi um instrumento económico de regulação social, passou a ser genericamente usado como aliança afectiva. Por outras palavras, uma instituição que servia fins económicos passou a ser usada como ritual de consagração de laços amorosos. O problema é que pretender-se impor uma vinculação jurídica a uma união que, por natureza, se situa no plano moral como é a relação afectiva é, evidentemente, desajustado: é como tocar dois instrumentos musicais em descompasso. E é isso que, a par da diminuição das desigualdades entre sexos, explica o aumento exponencial de divórcios. Parece-me, pois, que os criativos de causas fracturantes do BE se limitaram, afinal, a observar os sinais dos tempos e nada mais propõem do que uma adequação do instituto do casamento à verdadeira razão que hoje motiva as pessoas a casarem-se ou a divorciarem-se - o afecto ou a sua extinção, respectivamente.
Tenho algumas dúvidas sobre a razoabilidade do decretamento do divórcio no momento. Sempre achei sensato ponderar e pensar bem antes de se tomar uma decisão difícil e parece-me, por isso, do mais elementar bom senso o período de reflexão legalmente consagrado nos divórcios por mútuo consentimento. Há sempre quem se precipite e que a seguir se arrependa, sobretudo aqueles que sentissem o frémito indomável de exercer direitos cívicos sem nunca antes terem aprendido a usá-los.
20.5.07
Gentios
Passei ao lado do amplo debate blogosférico sobre a nova lei anti-tabaco. Eu gostava de poder deixar de fumar sem efeitos colaterais; sem ter de sentir a falta de um cigarro em cada momento em que o cigarro me melhorasse aquele momento. Sobretudo, sem ter de ouvir os eleitos que não fumam (ou que deixaram de fumar) enaltecendo-me a sensata atitude de me tornar seguidora das ideologias da assepsia. Não há, sequer, espaço para aqueles que, ainda que não fumando, não querem condenar os fumadores ao ostracismo. Os proprietários de espaços privados, que o estado até agora só regulava de maneira a garantir que nenhum de nós (leia-se nós todos por oposição a apenas alguns), por exemplo, correria o risco de ingerir comida estragada, passarão a exercer o nobre estatuto de vigilantes públicos dos vícios privados. Quando deixar de fumar, espero poder fazê-lo rodeada de viciados que livremente fumam cigarro após cigarro, para que possa ser eu a decidir que, afinal, não quero mais.
Say you were split, you were split in fragments
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Aimee Mann, Lost In Space
Isto tem sido só consumições
Parecia que tinha acabado, não parecia? Não. Vamos retomar os trabalhos.14.5.07
Dia do fim
Falta-me apenas falar sobre o tabaco, isso dos cigarros e dos charutos.Eu fumo. Fumar faz-me mal. Tusso bastante.
Não fumem. Deixem que eu me foda sozinho e caguem na piscologia e na demagogia: aliás, a psicologia, esta criada de servir das ciências, à força de saber que se limita ao papel de "pidezeca dos problemas", não espera que se diga dela mais do que a verdade. Nisso, caramba: está atenta. Como a demagogia está. Cada um vive do que consegue.
Não fumem. Faz mesmo mal.
Adeus.
12.5.07
Dia dois
Todos sabemos que o tempo é uma ilusão, como há outras, que decidimos medir.Podemos sustentar que medimos o tempo apenas porque ele é susceptível de medida, mas isto é fraca sustentação.
Medimo-lo na ilusão de o tornar descontínuo, controlável, variável, nosso, ilusoriamente nosso, novelesco, quase sujeito à decomposição em episódios.
Não é por mais nada.
Dia um
Tenho de confessar uma coisa: o meu sentido de orientação é mau.Perco-me vezes demais, mesmo em trajectos repetidos.
As outras pessoas que conheço não são assim.
Nunca lhes acontece o que me sucede a mim. A mim está sempre a acontecer-me esta merda: falhar a saída certa, o caminho correcto, seja numa rotunda profusa de sinalizações ou numa carente delas, ou mesmo num entroncamento que me surja mais ou menos de repente.
Dou fé do do meu erro, às vezes, só depois de o cometer. Ou, então, um bocadinho antes. Mas quase sempre quando já não posso fazer marcha-atrás e corrigir a trajectória sem ser abalroado por mim, que me sigo sempre de tão perto - o mais perto que consigo seguir-me - que acabo por me seguir perto demais.
Dia zero
- Pai, estás triste?- Não, estou só cansado.
- Pareces triste...
- Não, filho, estou cansado.
- Podes estar cansado, mas pareces triste.
- Tens razão. Estou um bocadinho triste.
- ...
- ...
- Sabes uma coisa, pai?
- Diz.
- Preferia que estivesses só cansado.
8.5.07
Lau
Batia-se, bateu-se, com Joaquim Agostinho nas subidas da serra.
Bateu-se sempre, fosse contra quem fosse. Contra ele também: era contra quem mais se batia, creio.
Lembro-me bem de ser petiz, de "ver" a Volta nos relatos: ainda não se viam nas "pantalhas" os finais das etapas em directo, mas escutavam-se na rádio, parecia que se estava a ver.
Era sempre de verão, ainda agora é.
Era magro, esguio, seco, "homem duma cana", como disse Carlos Miranda de Agostinho, valha a verdade que também podia ter dito o mesmo de Venceslau, não calhou dizer, que eu lesse não calhou dizer, ao menos.
Ainda é assim. Vi-o na televisão, hoje, a propósito da filha.
Está seco e seco, quer dizer, está seco de carnes e seco de feitio, como sempre.
Um dia, conheci-o. Não faz mal contar isto, até porque se nos encontrarmos eu reconheço-o e ele não faz ideia de quem sou: eu conheci-o, ele a mim não, que as coisas são sempre como devem ser.
Eu conto, não será grande estória, mas, entrando ele nela, para mim, ao menos, parece-me que é.
Eu tinha regressado havia poucos meses dos Açores e estava de urgência em Gaia. Estava-se no fim da manhã, aquela coisa entre as onze e as duas da tarde, para quem lá está.
Pelo meio da turba de que também eu fazia parte, entrou ele, corredor adentro, por causa duma coisa qualquer que o afligia e que não vem, sequer, ao caso: era um "utente" que ali estava, foi assim que entrou, que ali esteve, e que dali saiu, depois.
Vinha como ainda hoje vem: vestido simplesmente e enfeitado daquelas feições de bruto afável que só os brutos a sério têm. E foi afável, como só os brutos sabem ser. E calhou-me a mim, reles interno, recebê-lo: e recebi-o, sabendo eu, desde logo, quem ele era; e ele mostrando saber, logo também, simplicidade complicada das coisas simples, que eu o reconhecera e ele, a mim, não; nem poderia.
Não resisti. Eu podia não ter dito nada, podia ter feito de conta. Mas não consegui, de maneira que lhe perguntei "o senhor é o Venceslau Fernandes, não é?", farto de saber que era ele, sim, e ele disse-me que "sim, sou o Venceslau Fernandes, sou, sim", e ficámos ambos um bocadinho assim, naquele embevecimento parvo que durou apenas o tempo que ele me deu para me embevecer, porque lhe dei alta pouco tempo depois, não tinha nada, estava bem, como parece estar hoje, e está e, naquela altura, eu também fiquei melhor.
Podia ter vindo aqui falar da filha, grande atleta, também. Pode vir a ser campeã olímpica.
Mas falei dele. Manias minhas, sei que vai dar no mesmo se for só eu a ler, e deve andar perto disso -mas mesmo que não ande.
6.5.07
Diz, besugo, diz
Se fôssemos todos um bocadinho mais tristes, não era tristes, era só um bocadinho mais tristes, ou então um bocadinho menos contentes, ou, ainda, assim é que é, se andássemos um cisco menos "à procura do contentamento", não sei explicar melhor, mas mesmo assim, insisto, se fôssemos todos um bocadinho mais tristes, pronto, digamos que fica tudo como comecei, era isto, se fôssemos todos um bocadinho mais tristes, talvez fôssemos todos um bocadinho mais felizes, mas era preciso que isto fosse verdade, sobretudo antes de eu o dizer, sobretudo porque posso estar a dizê-lo só por estar, eu próprio, um bocadinho triste e, já se sabe, posso estar apenas a fazer-me de interessante, acontece muito aos néscios.Talvez tenha chegado mesmo Maio
Há o saber total, a sabedoria toda.E há as pequenas sabedorias.
Que, todas somadas, deviam dar a sabedoria toda, adição perfeita.
Mas não dão.
Dão é desenganos, dão raiva, dão tristeza.
Dão uma tristeza funda e parcelar.
4.5.07
tratado fenomenológico
lolita de mi corazon:1º O Sousa Mendes foi expulso da carreira diplomática por ter desobedecido a ordens directas do Governo Português. Chama a isto "perseguição infame", se quiseres. Na lógica de quem deu essas ordens, nem se tratou de perseguição, nem muito menos de infâmia. E desconfio que hoje, se um cônsul de portugal desobedecesse a ordens directas do MNE ou do Governo, era capaz de acabar do mesmo modo. E, concordássemos ou não com as ordens ou, ao contrário, com a desobediência, também aqui não se poderia falar de perseguição infame.
2º Portugal acolheu centenas de milhar de refugiados da 2ª Guerra e, como saberás, foi um dos portos de abrigo ou de passagem mais importantes para quem queria fugir ao horror da IIª Guerra e, sobretudo, dos muitos países que os nazis ocupavam. Se o Salazar achou que o País não tinha capacidade para acolher mais, esse foi o seu juízo, hoje dificilmente sindicável. Sobretudo, não é possível defender uma posição tão irrealista como "devia ter permitido aos cônsules de todos os países ocupados pelos nazis que emitissem dezenas de milhares de vistos". Nem tu autorizarias tal coisa, HOJE, se por desventura tua tivesses que governar, neste mundo em que guerras e massacres não são apenas coisas que figuram nos livros de história. Mesmo que penses o contrário.
3º A Odete é comunista, eu sou democrata. A Odete recusa-se a qualquer "mea culpa", e continua a achar que o comunismo é a solução. Eu não tenho "mea culpa" a fazer porque nunca militei em organizações anti-democráticas, e sou da opinião do Churchill - ou seja, acho que o regime democrático é péssimo e cheio de defeitos, mas não conheço nenhum melhor.
Dito isto, bom fim de semana. Já vou tendo saudades de uma bela discussão cara a cara, temos que combinar um dia qualquer para um "evento" entre nosotros. Como faltaste ao último, delego-te a iniciativa de tal coisa! Estou certo que o besugo concordará.
3.5.07
Olha o Espanyol! Olha o outro!
Uma final entre o Pamplona e o Werder Bremen (este nome presta-se a pilhérias, basta pensarem em dizer isto com sotaque nortenho, exactamente, "Barda ...." exactamente) também não era grande espingarda.Mas uma final entre o Sevilla e o Espanyol é uma espécie de oitavos de final da Taça do Rei em campo neutro, com foguetório e, ainda por cima, falta ali Sán Fermin. Uma bosta.
A Taça UEFA é, cada vez mais, a segunda divisão - D da Europa. Reparem: o Benfica ia indo à final. Isto macera!
Há quem diga que "se o Liverpool ganhar a Liga dos Campeões este blogue acaba". Mas não acredito. Trata-se duma hipótese remota, a vitória do Liverpool (mas pode acontecer, eu acredito nisso); ainda assim, apenas quase tão remota como a possibilidade desse blogue de arribação acabar.
Qual acabar.
Para já, "acabar" é "encabar" com "a", uma lesmice: "Vou-te acabar!"; "OK, mas, visto daqui, tens um sotaque que nem parece que me vais mesmo...".
Acabar, para ele, é apagar tudo, amuar sessenta e duas horas, depois botar um pássaro, dezassete pássaros, um tenista suíço, a seguir uma citação duma revista estrangeira, logo depois uma diatribe com um gajo qualquer de óculos que se leva demasiado a sério e, vez por outra - que é o que o safa - uma espécie de "viva o Sporting".
E volta logo, nem que passe a chamar-se "A rótula foi pasteurizada".
1.5.07
A fenomenologia portuguesa no século vinte
A tua expressão foi bem escolhida, Alonso: de facto, Salazar foi e continua a ser um fenómeno, em tantas perspectivas possíveis. Desde o facto de ter conseguido perpetuar uma economia neo-feudal num país europeu e em pleno século vinte quando o resto da Europa já mergulhava na terceira vaga da Revolução Industrial iniciada no século anterior, até à fervorosa simpatia que ainda granjeia num punhado de portugueses da era moderna, certamente nostálgicos, mais do que de um regulador dos inconvenientes do livre pensamento, de um messias que os salve e que lhes indique o rumo.
Lembraste-te da Odete Santos; e foi bem lembrado. Se vires bem, é fácil concluíres que (nas tuas palavras) a “virulência do teu assomo” pró-salazarista é bem mais parecida com as exacerbações Odetianas do que com a minha confessada perplexidade perante as recentes tentativas de reabilitação de Salazar e da sua “obra”. Tanto é assim, Alonso, que o qualificas como um homem “invulgarmente inteligente” sem sequer explicares em que acções ou pensamentos se vislumbrou essa inteligência invulgar. De forma semelhante, afinal, àquela com que a Odete Santos se indignou com a eleição de Salazar no reality-comic-show da RTP... enfim, como sabemos, essa tua atitude (e a da Odete) costuma ser típica de iconografias emotivas cuja essência dispensa a validade da razão nos argumentos. É verdade, Alonso: tu e a Odete Santos, antagónicos na ideologia, são, afinal, semelhantes na idolatria. Quem diria…
A tua apologia neo-salazarista é esforçada; mas, lamentavelmente, não consegues evitar que fiquem umas pontinhas de incongruência nos aspectos para os quais não encontras explicação, se admitires o tal perfil de homem “invulgarmente inteligente” e cuja integridade moral “abundava”. Notei, por exemplo, que não leste (ou tresleste como melhor te conveio) o que eu referi sobre a forma ignóbil, desproporcionada e infame como Salazar castigou Sousa Mendes pela desobediência; o mais ignóbil de tudo é que isso não o impediu de, no final da guerra, ter afirmado em discurso à nação, com flagrante despudor, que salvou todos os refugiados que pôde salvar e que lamentava não ter podido salvar mais. Que dizes tu este dignificante evento, como exemplo ilustrativo da sua profunda integridade moral? E o que dizer da sua poderosa e omnipresente polícia política? E do Tarrafal? E da tortura dos que praticaram delitos de opinião num país sem opiniões? E da perseguição dos seus antagonistas? E do assassinato de Delgado? E do assassinato do pensamento? E do isolamento do país à informação, à cultura, à mudança, ao debate?
Salazar era católico, dizes tu. Mas tu sabes: isso só por si não confere estatura moral a ninguém, sobretudo se a acção não condiz com teologias de compaixão. Para além disso, todos nós nos temos habituado a que homens de fé tenham praticado alguns dos mais impensáveis crimes humanitários em nome de um deus.
Para além de toda a panóplia de atropelos aos direitos e liberdades dos cidadãos que perseguiu ao longo de décadas, Salazar praticou o crime supremo de silenciar o pensamento de uma nação inteira, e de que até hoje permanecem os efeitos, visíveis no nacional-parolismo, na subsídio-dependência, na elevada permeabilidade à demagogia, na volatilidade dos eleitores. Aliás, até na eleição de Sócrates, que atingiu o paroxismo da fabricação bacoca de um político. Os portugueses desabituaram-se de pensar e habituaram-se apenas a aderir a propostas – o que quer dizer que poucos escolhem e votam em consciência. Este é, parece-me, o efeito mais duradouro e pernicioso da anti-cultura salazarista.
Alonso: não queiras branquear o que foi o Estado Novo ou quem foi Salazar. És livre de lhe apreciares as virtudes que quiseres, mas terás de viver com os factos que as desmentem. Como tu próprio disseste, podes sempre qualificá-las como “mentiras”. Afinal, beauty lies on the eyes of the beholder.
Lembraste-te da Odete Santos; e foi bem lembrado. Se vires bem, é fácil concluíres que (nas tuas palavras) a “virulência do teu assomo” pró-salazarista é bem mais parecida com as exacerbações Odetianas do que com a minha confessada perplexidade perante as recentes tentativas de reabilitação de Salazar e da sua “obra”. Tanto é assim, Alonso, que o qualificas como um homem “invulgarmente inteligente” sem sequer explicares em que acções ou pensamentos se vislumbrou essa inteligência invulgar. De forma semelhante, afinal, àquela com que a Odete Santos se indignou com a eleição de Salazar no reality-comic-show da RTP... enfim, como sabemos, essa tua atitude (e a da Odete) costuma ser típica de iconografias emotivas cuja essência dispensa a validade da razão nos argumentos. É verdade, Alonso: tu e a Odete Santos, antagónicos na ideologia, são, afinal, semelhantes na idolatria. Quem diria…
A tua apologia neo-salazarista é esforçada; mas, lamentavelmente, não consegues evitar que fiquem umas pontinhas de incongruência nos aspectos para os quais não encontras explicação, se admitires o tal perfil de homem “invulgarmente inteligente” e cuja integridade moral “abundava”. Notei, por exemplo, que não leste (ou tresleste como melhor te conveio) o que eu referi sobre a forma ignóbil, desproporcionada e infame como Salazar castigou Sousa Mendes pela desobediência; o mais ignóbil de tudo é que isso não o impediu de, no final da guerra, ter afirmado em discurso à nação, com flagrante despudor, que salvou todos os refugiados que pôde salvar e que lamentava não ter podido salvar mais. Que dizes tu este dignificante evento, como exemplo ilustrativo da sua profunda integridade moral? E o que dizer da sua poderosa e omnipresente polícia política? E do Tarrafal? E da tortura dos que praticaram delitos de opinião num país sem opiniões? E da perseguição dos seus antagonistas? E do assassinato de Delgado? E do assassinato do pensamento? E do isolamento do país à informação, à cultura, à mudança, ao debate?
Salazar era católico, dizes tu. Mas tu sabes: isso só por si não confere estatura moral a ninguém, sobretudo se a acção não condiz com teologias de compaixão. Para além disso, todos nós nos temos habituado a que homens de fé tenham praticado alguns dos mais impensáveis crimes humanitários em nome de um deus.
Para além de toda a panóplia de atropelos aos direitos e liberdades dos cidadãos que perseguiu ao longo de décadas, Salazar praticou o crime supremo de silenciar o pensamento de uma nação inteira, e de que até hoje permanecem os efeitos, visíveis no nacional-parolismo, na subsídio-dependência, na elevada permeabilidade à demagogia, na volatilidade dos eleitores. Aliás, até na eleição de Sócrates, que atingiu o paroxismo da fabricação bacoca de um político. Os portugueses desabituaram-se de pensar e habituaram-se apenas a aderir a propostas – o que quer dizer que poucos escolhem e votam em consciência. Este é, parece-me, o efeito mais duradouro e pernicioso da anti-cultura salazarista.
Alonso: não queiras branquear o que foi o Estado Novo ou quem foi Salazar. És livre de lhe apreciares as virtudes que quiseres, mas terás de viver com os factos que as desmentem. Como tu próprio disseste, podes sempre qualificá-las como “mentiras”. Afinal, beauty lies on the eyes of the beholder.
O problema do Chevanton
Quando nasci não me lembro de ter um plano para a minha vida. Acho que não tinha.Os meus pais ganhavam pouco, de maneira que me parece que nem eles próprios tinham plano nenhum para ninguém, nem para eles, nem para os meus irmãos, nem para mim: vá lá, não enfiaram com nenhum de nós num seminário, nem numas Carmelitas Descalças.
Mais tarde, no que me diz respeito, chegaram a planear que eu fosse, ao menos, regente agrícola. Mas não consegui.
Adquiri, recentemente, uma certeza. Apenas uma, mas mesmo assim custou-me.
"Quando te chamarem a perguntar-te que planos tens para o Grande Plano Global (GPG), diz que tens um plano qualquer com imenso potencial para se encaixar na AAP - Absoluta Ausência de Planos - dos tipos que te perguntam pelos teus planos para o GPG deles, porque é melhor isto do que quereres saber, como resposta a uma Pergunta Superior (PS), qual é o GPG deles.
É que nem eles sabem qual é o GPG deles, nem isso é importante para ti, nem - e este reles facto é o mais reles e o mais relesmente considerável - para eles".
Foi Chevanton, ponta-de-lança suplente do Sevilha, que me ensinou esta certeza.
Notícias recessas
Soube que Pedro Arroja saíu do Blasfémias. Disse-me o JPSDCDSPPPSPCBE, do "Também Gostava", esse blogue de referência, por e-mail.Saber isto fez-me o mesmo efeito que saber que Pedro Arroja lá tinha entrado.
Ou seja, fez-me muito efeito.
Duas trivelas em tão escasso período de tempo, caramba, é obra. E logo feitas para fora, as duas trivelas, não houve sequer quem cabeceasse claramente entre os centrais nenhuma delas, nem nada.
É pena.
Relativamente.
Três coisas
Uma:Peço imensa desculpa pelo foda-se de ontem, acerca da bola. Não há esférico nenhum que mereça um verbo, digamos, para sermos pouco claros, tão transitivo.
Duas:
O alonso, além de nos trazer "o discurso de Guimarães" - um lancinante apelo à não discussão que, aliás, o próprio alonso deve repudiar excelentemente, bastando lê-lo quando afirma que "como vêem, lolita e besugo, sobrevivi ao Conselho Geral das Varinas. Por uma razão simples. Não estive lá! É que prefiro estas discussões àquelas ...", o que indica que, bem más allá de gostar de discussões, o alonso as escolhe - trouxe-nos um conceito novo, que é o do anti-salazarismo primário, entendido como - isto mais ou menos - "persistem em denegrir o homem sem cuidarem de lhe ver a obra toda, mesmo aquela coisa do Sousa Mendes, que agora é herói apenas porque não cumpriu".
Ah, alonso. A maior parte de nós, de facto, cumprimos quase sempre. Mas é nos que não cumprem quase nunca, para o mal e para o bem, que se encontram os heróis. Deixo-te aqui dois exemplos: Joaquim Agostinho e Salgueiro Maia. Desconheço o pensamento de qualquer um deles sobre o último Benfica - Sporting e, já agora, sobre a auto-flagelação rentável de Paulo Portas, com alguma pena minha. Fundamentalmente sobre o Benfica - Sporting.
Três:
Se uma escola que tem alunos do dito "ensino secundário" - e outros alunos dos ditos "cursos profissionais" - resolve encerrar a parte de si que diz respeito aos "alunos do ensino secundário", fazendo-os transitar para outra escola secundária, só pode acontecer uma coisa: os professores do ensino secundário da escola que semi-encerra transitam com os seus alunos. Não é?
Porque, se não for assim, se os alunos transitarem sem os seus professores - porque já lá estão os outros - seremos levados a pensar que os outros, os professores que já lá estavam, na outra escola secundária, os que têm essa capacidade toda para receber alunos novos, andavam folgados demais para o que deviam andar.
Ora isto não pode ser, a menos que o ministério da educação andasse, há anos - este ministério incluído - a pactuar com desperdício de recursos.
A escola que vai semi-encerrar é a do Rodo. A outra, a que vai semi-redobrar, é a Araújo Correia. Ambas na Régua.
Estarei atento a isto, embora me faltem duas disciplinas para concluir a sexta classe e nunca tenho feito inté-reil. Nem felácio.