Infinito enquanto dura
Não vejo muito bem o que tem de fracturante a proposta do Bloco de Esquerda sobre os divórcios unilaterais. A verdade é que o casamento como sustentáculo das sociedades é, desde o século passado, uma verdadeira obsolescência. Como se faz notar aqui, o casamento serviu durante muitos séculos de certificado de paternidade dos descendentes e de meio para assegurar a perpetuação do património familiar, nos tempos em que os estatutos sociais se suportavam na posse patrimonial. Hoje, aqueles desígnios são anacrónicos; o casamento, que durante quase um milénio foi um instrumento económico de regulação social, passou a ser genericamente usado como aliança afectiva. Por outras palavras, uma instituição que servia fins económicos passou a ser usada como ritual de consagração de laços amorosos. O problema é que pretender-se impor uma vinculação jurídica a uma união que, por natureza, se situa no plano moral como é a relação afectiva é, evidentemente, desajustado: é como tocar dois instrumentos musicais em descompasso. E é isso que, a par da diminuição das desigualdades entre sexos, explica o aumento exponencial de divórcios. Parece-me, pois, que os criativos de causas fracturantes do BE se limitaram, afinal, a observar os sinais dos tempos e nada mais propõem do que uma adequação do instituto do casamento à verdadeira razão que hoje motiva as pessoas a casarem-se ou a divorciarem-se - o afecto ou a sua extinção, respectivamente.
Tenho algumas dúvidas sobre a razoabilidade do decretamento do divórcio no momento. Sempre achei sensato ponderar e pensar bem antes de se tomar uma decisão difícil e parece-me, por isso, do mais elementar bom senso o período de reflexão legalmente consagrado nos divórcios por mútuo consentimento. Há sempre quem se precipite e que a seguir se arrependa, sobretudo aqueles que sentissem o frémito indomável de exercer direitos cívicos sem nunca antes terem aprendido a usá-los.
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