blog caliente.

8.5.07

Lau


Batia-se, bateu-se, com Joaquim Agostinho nas subidas da serra.
Bateu-se sempre, fosse contra quem fosse. Contra ele também: era contra quem mais se batia, creio.
Lembro-me bem de ser petiz, de "ver" a Volta nos relatos: ainda não se viam nas "pantalhas" os finais das etapas em directo, mas escutavam-se na rádio, parecia que se estava a ver.
Era sempre de verão, ainda agora é.
Era magro, esguio, seco, "homem duma cana", como disse Carlos Miranda de Agostinho, valha a verdade que também podia ter dito o mesmo de Venceslau, não calhou dizer, que eu lesse não calhou dizer, ao menos.
Ainda é assim. Vi-o na televisão, hoje, a propósito da filha.
Está seco e seco, quer dizer, está seco de carnes e seco de feitio, como sempre.
Um dia, conheci-o. Não faz mal contar isto, até porque se nos encontrarmos eu reconheço-o e ele não faz ideia de quem sou: eu conheci-o, ele a mim não, que as coisas são sempre como devem ser.
Eu conto, não será grande estória, mas, entrando ele nela, para mim, ao menos, parece-me que é.
Eu tinha regressado havia poucos meses dos Açores e estava de urgência em Gaia. Estava-se no fim da manhã, aquela coisa entre as onze e as duas da tarde, para quem lá está.
Pelo meio da turba de que também eu fazia parte, entrou ele, corredor adentro, por causa duma coisa qualquer que o afligia e que não vem, sequer, ao caso: era um "utente" que ali estava, foi assim que entrou, que ali esteve, e que dali saiu, depois.
Vinha como ainda hoje vem: vestido simplesmente e enfeitado daquelas feições de bruto afável que só os brutos a sério têm. E foi afável, como só os brutos sabem ser. E calhou-me a mim, reles interno, recebê-lo: e recebi-o, sabendo eu, desde logo, quem ele era; e ele mostrando saber, logo também, simplicidade complicada das coisas simples, que eu o reconhecera e ele, a mim, não; nem poderia.
Não resisti. Eu podia não ter dito nada, podia ter feito de conta. Mas não consegui, de maneira que lhe perguntei "o senhor é o Venceslau Fernandes, não é?", farto de saber que era ele, sim, e ele disse-me que "sim, sou o Venceslau Fernandes, sou, sim", e ficámos ambos um bocadinho assim, naquele embevecimento parvo que durou apenas o tempo que ele me deu para me embevecer, porque lhe dei alta pouco tempo depois, não tinha nada, estava bem, como parece estar hoje, e está e, naquela altura, eu também fiquei melhor.
Podia ter vindo aqui falar da filha, grande atleta, também. Pode vir a ser campeã olímpica.
Mas falei dele. Manias minhas, sei que vai dar no mesmo se for só eu a ler, e deve andar perto disso -mas mesmo que não ande.

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