blog caliente.

29.5.07

Culpas absolutas

O espanto geral, promovido pelo Público, sobre o acordão do STJ que reduz a pena aplicada a um crime de abuso sexual tem uma dimensão alarmista comparável ao ruído que se levantou quando aquele sargento da Sertã que fez desaparecer a pequena Esmeralda estava a cumprir pena de prisão. Se quisermos, pode-se reduzir a aplicação do Direito a uma meia dúzia de imperativos categóricos implacáveis, de forma a que a judicatura se transforme numa simples actividade administrativa de subsunção dos factos à regra - o que é bem diferente da subsunção dos factos ao Direito. Se quisermos, podemos absolutizar a aplicação do Direito, sem se cuidar de saber de atenuantes, mas também sem saber de agravantes.
O STJ mais não fez do que introduzir na medida da pena uma dimensão de justiça material, que parece, a quem assim quer ver, um desgravamento da culpa do abusador, mas que na verdade introduz o prudente e imperativo critério do grau de censura da prática de um crime. Mas a verdade é que parece ser pacífico que, na nossa consciência, é bem mais grave abusar sexualmente de uma criança do que de um pré-adolescente. Foi isto, afinal, que o STJ fez: exprimir essa censura social, adequando a medida da pena ao grau de culpa - facto esse que parece, curiosamente, merecer críticas do António Cluny, para quem a validade jurídica das decisões judiciais pode ser posta em causa por causa de considerações de índole moral (como, e eu espanto-me, se o Direito não fosse tributário da moral social).
O STJ diminuiu a medida da pena. Mas suspeito que se, pelo contrário, se tratasse de um menor de cinco ou seis anos e o STJ a decidisse agravar, já se calariam as vozes da censura - o que vale por dizer que se saciaria a sede do castigo de Talião, que no fundo, lá no fundo, a todos redime.

View blog authority