blog caliente.

31.12.08

a minha angola dele

Morreu. Apareceu-me hoje o nome dele, a negro, na lista das consultas de seis de Janeiro.
Gostava muito dele. Ele gostava de Angola. Gosto de Angola, então.
E Angola de mim?

30.12.08

da medida a olho

Mudem os algarismos, nem sequer são muitos. Parece-me agora é que não me aguento assim até 2010. Ou que 2009 não me aguenta assim a mim e, se for assim, tantos "assins", nessa altura, na véspera de 2010, isto vai ficar em branco.
Seja como for: assim, a ser assim, em branco de mim, ao menos, vai ficar.

29.12.08

Um boi

Temos de conversar mas é difícil porque só eu desejo essa conversa.
Tu não.
Tu, que o amas - ou não queres, apenas, que ele morra, mas acho que o amas e não queres que ele morra (amor cego e iterativo, na presente conjuntura) - não queres falar. Melhor dizendo, não queres que eu fale. Eu quero, tu não.
Fácil é chamar-te burra. Não és. Não queres, simplesmente, ouvir-me.
Fácil é chamar-te tonta. Não és. Não queres dizer o que eu penso que já sabes mas, repara, parece-me que sabes: o que se passa é que, se concordares comigo, assim chorando, é como estarmos os dois a assinar um pacto de "sabença" dele quando ele está de costas. E mais: ele nem chora. Ele anda ali.
Falamos aqui, ela, eu e os senhores, dum homem que tem um feitio difícil, uma mentação teimosa e uma ignorância granítica. Um discurso rude de duriense amável. Não sabeis o que é? Não vos explico.
Perante um cancro espalhado, um Ganges lento dentro dele - lento até ver -, nem ela (que o ama, que se ama e que, sentindo-os bem, se lhe recusa em parte), nem ele (que tem da doença uma noção complexa e difusa, como só os teimosos e os amblíopes do pensamento conseguem ter de tudo), nem eu (que acabo por nem saber como lhes dizer, nem o que lhes dizer, aliás, que sei eu também desta merda senão o que me parece?), nenhum de nós parece estar aqui muito seguro de estar a navegar em águas calmas, embora o rio siga ainda quase liso.
Sei isto: ele vai morrer e não sei quando, mas sinto que se abrevia; sei do quê: sei do que vai morrer, se antes não se acidentar. Quando é que não sei. Sinto que não demorará. Sentir é vão. Vão então para o caralho.
Sei isto: nem ele nem ela vão ser-me fáceis no declive dele, independentemente da demora.
Sei ainda isto: pagam-me para esta merda mas isto é fodido vezes demais e peço desculpa por vos deixar na dúvida sobre o facto de "se te pagassem dez vezes mais que o que te pagam era menos fodido, era, ó besugo de merda?", mas a verdade é que não, não era, era igual, era fodido na mesma.
"Era fodido - e é - mas é para ele e para ela, ó boi!" - poderão atirar-me esta pedra, aos guinchos.
Levo com ela. Em cheio no focinho, onde quiserem acertar-me.
Já não sei responder muito bem a muitas das perguntas que me fazem, quanto mais às que me faço eu, um boi destinado à lapidação.

20.12.08

Auto-emoción

Tenho seguido com invulgar atenção o problema da crise. A crise é grave, grande e, sobretudo, surpreendente. Quase tão surpreendente como a minha atenção.
Percebo que querem que eu perceba que se trata aqui - e eu falo disto da crise - duma coisa que era imprevisível e imponderável antes de acontecer. O que me dizem, o que querem que eu entenda, aquilo que querem que me penetre o bestunto, é uma ideia simples: "olha, homem, nós vínhamos por bom caminho mas, que chatice, agora aconteceu esta chatice e, efectivamente, é uma chatice; tudo azares e, eventualmente, umas vigarices: sim, umas vigarices, isso pode acontecer; mas atenção, vínhamos por bom caminho, hem?, não esquecer isto, hem?; vínhamos por bom caminho e, sobretudo, devemos fazer tudo para o manter, ao caminho, isso é que tem de ser, sim, homem? Bom."
A ideia é mais ou menos esta.
O mercado auto-regula-se. Evidentemente. É como os intestinos: até certo ponto, auto-regulam-se. Depois, pode ser preciso regulá-los. E, talvez mais barato e mais útil que regular os intestinos - já que a dada altura deixam de se auto-regular causando prejuízo ao possuidor da tripa e ao resto da malta que paga a regulação ulterior - seja uma colonoscopia anual a quem tem intestinos em risco. A Europa Cólon não me paga nada, mas faça uma colonoscopia aos 50 anos, senhor que me lê, e faça-se sócio desta agremiação sem fins lucrativos e extremamente bondosa.
O mercado livre mais famoso e lucrativo do mundo acho que chegou a ser um mercado de escravos. Nada mais livre do que ser escravo, desde que a liberdade maior seja "tenho ao menos pão". Pensem nisso se quiserem. E quando chegarem aos 50 anos, tendo pensado nisso ou não, vão meter o tubo no cu, a ver se a vossa tripa anda com potencial para se auto-regular ou se aqueles tenesmos, aqueles puxos, aquela sanguinolência no papel, aquelas coisas, são apenas do hemorroidal ou se já são causados pelos "vigaristas, e tal, do bom caminho, sempre do bom caminho, mas e tal, os tumores e isso".
Eu ainda me falta muito tempo para isso, farei 50 anos apenas daqui a muitos dias (mas menos de mil, tem graça, menos de mil dias) embora ande invulgarmente preocupado com a crise. Só não digo aqui nomes de tumores por temores de vos maçar e, além disso, por poder ir, às tantas, preso.

11.12.08

Já não falta muito para quase nada

Recebeu a notícia da alta como se fosse para casa sentenciado de cura.
Mas sabe que vai adiado. Uma "precária". Vai-me voltar em breve.
Nasceu em Angola, onde viveu muitos e mais jovens anos. Queria rever a terra, ainda, mas já não vai poder.
Veio-lhe agora Angola a casa. Um irmão. Primeiro ao hospital, depois a casa.
Além disso viu a filha. Veio também. Parece que já não sabia coisas dela há vários anos e agora ela veio e ele chegou a levantar-se da cama a festejá-la toda. Eu vi, posso jurar, sorrisos largos, ele ali de pé, magrinho e de pijama às riscas, azul e branco desbotado no azul.
Um homem grande pequenino.
Diz que está preparado, agora. Disse-me. É um homem lúcido e deve saber disso de preparações mais do que um besugo. Acreditei.
Eu acredito, aliás, que ainda vão todos passar o ano juntos. Já não falta muito.

8.12.08

Memorando

É para reverem o Notting Hill. Faz bem ao corpo todo, mesmo àquela parte que contém a alma, essa parte do corpo que é mais gasosa.

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