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27.6.04

Mesmo com a bruma vê-se razoavelmente bem

1 - A mudança de primeiro-ministro: a etiologia, a patofisiologia, a clínica, o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico. Ensaios clínicos em curso.
Eis uma síndrome que não encontrei descrita nos meus livrinhos. Nem mesmo na última edição do Cecil. Deve ser uma daquelas doenças crónicas que evoluem por surtos mas que, quando agudizam, parece que foram sempre agudas, mesmo tendo sido sempre crónicas. Devem evoluir com muita sede (de poder?), muito consumo de radicais ATP (serei eu o escolhido?), muita diurese, um mijo incontrolável, mesmo. Geralmente claro como água. Uma diabetes insípida, no fundo, vista daqui de baixo. A menos que se trate duma ceto-acidose diabética que, por "agámaisamais", provoque aquela respiração rápida e ofegante, que o povo cuida sempre ser falta-de-ar. Não é. É um simplório mecanismo fisiológico de compensação da acidemia do(s) doente(s). Passa-se tudo no sistema nervoso central e corrige-se, mais certeiramente, com bicarbonato e insulina que com oxigénio.
Como se percebe facilmente, disto nada entendo. Leiam em outros locais, por favor. Eu sei que é desesperante, eu sei, mas é assim.

2 - O filme "Mystic River" comoveu-me muito. Vi o filme na companhia de algumas pessoas muito amigas que, se apenas soubessem de cinema, nem de cinema saberiam. Mas não é o caso. Sabem muito de mais coisas. Sou um imbecil, mas isso até eu sei: vi o filme todo ao contrário, porque não gosto do Sean Penn e me irritou o personagem tão passivamente inocente do Tim Robbins. Irritou-me isso e o facto de me comover em público, mesmo que um público pequeno, porque um trasmontano comover-se em público é duma paneleirice pegada e faz-me sentir vulnerável se o trasmontano for eu.
Não é grave. Um amigo meu que sabe muito de cinema (e doutras coisas) prometeu-me que até do Almodôvar me vai ensinar a gostar. Espero que o tipo cumpra. Eu prometi ensinar-lhe a gostar de futebol, o que também não será tarefa fácil.

3 - O penalty do Postiga só pode ser discutido (e discutível) numa plataforma que não tem nada a ver com o futebol nem com a justiça justa das coisas. Tem a ver com o hábito ignóbil e generalizado de se julgarem as coisas (os actos) pelas suas consequências.
Não é assim. As coisas julgam-se, apenas, pelas coisas que são. Um acto é um acto: certo? A sua consequência encerra em si, sempre, uma suficiência razoável de acaso para não ter qualquer importância se "escarafunchada" unicamente a partir do acto. E, sobretudo, perante o acto. Até porque vem depois. E depois é sempre fácil. Até discutir depois é mais fácil.
O Postiga, o miúdo das Caxinas, marcou aquele penalty assim porque dava para o marcar assim e porque tinha de o marcar assim. Dava para o marcar assim, porque calhou o experiente e nervoso James ter antecipado o seu lado direito como "estendal". Tinha de o marcar assim, porque um puto que substitui o grande Figo, que se compenetra disso e de si, que faz um grande golo de cabeça que significou conquista grande, enorme, que é escolhido, depois (e há nisto, sempre, uma dose de voluntarismo não desprezível, entendem?) para marcar um penalty decisivo em "casa cheia", um puto assim transcende-se e, independentemente da consequência do seu acto, sabe que é o acto, ali, o importante.
Se eu fosse pai do Postiga e ele me tivesse telefonado, minutos antes, a perguntar: se eu vir que tal, marco assim?, eu respondia-lhe marca como vires que tal e não me perguntes mais nada.

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