blog caliente.

12.11.03

A propina adicional

O Vilacondense, não respeitando a minha gripe, atirou-me forte corrente de ar. Foi o Dupond que abriu as janelas, o malvado! Enfim, deixo-lhe aqui uma carta e vou fechá-las.

Caro Dupond: agradeço-lhe o facto de ter chamado a atenção para a minha visão romântica e saudosista “seja sobre o que for” que você, valha a verdade, não explica. Significa que me atribui uma visão qualquer, embora se perceba que a desdenha, a acha esquerdista e demagógica. E, ainda por cima, não a quer comprar. Isto desfaz completamente o velho aforismo que você, seguramente, conhece, “quem desdenha, quer comprar”... Você desdenha e não adquire, Dupond!
Você atribui, generosamente, um zero à minha argumentação, o que o distingue e me acabrunha, mas justifica mal o zero que me dá, o que me surpreende. E ainda se mete por comparações entre épocas que, artificiosamente, distancia, como se eu fosse um fóssil de 1585 e você um argonauta iluminado de 2003. Você faz lembrar aqueles articulistas que começam os seus textos inflamados por um “em pleno século XXI!...”, ao qual apõem a descrição duma escandaleira qualquer, terminando por dizer que “assim, o país não vai para a frente!”.
Há, aqui, apenas, um problema pequenino. Tem você paciência? Então leia, por favor.
Onde me viu você falar sobre investigação? Eu não falei disso, Dupond! O Professor Sobrinho Simões é um brilhante investigador, é certo, mas não trata doentes, sabia? E acontece que as Faculdades de Medicina, que eu saiba, ainda se encontram vocacionadas, por fundos e sociais motivos, essencialmente, para a formação de médicos. Exactamente, médicos, bestas dessas, como eu. E era disso que eu falava, de médicos muito bons (não convulsive, não falo de mim!) que passaram pela docência do Professor e que lha abrilhantaram, mesmo sem pagar propinas.
Você prefere que a Faculdade de Medicina lhe forneça médicos ou que o adorne de investigadores? Prefere médicos, não é? Eu li a sua citação do Público, sabe?
E sabe com quem aprendem os futuros médicos, não sabe? Pois é, aprendem com doentes! E é imoral cobrar propina máxima a um curso que aprende em matéria-prima tão nobre, carenciada e... barata! Os doentes já pagam a “propina”, amigo Dupond. Ora pense lá se não pagam. E não será, acredite em mim, por você aumentar a propina do curso que vai baixar a “propina” dos doentes. Isso é outra conversa que, se quiser, teremos, um destes dias.
Ou seja, eu falava da formação de médicos, você arremessa-me dispendiosos investigadores. Que são brilhantes, que ajudam a formar bons médicos, mas... ó amigo Dupond, não tratam doentes. Eu continuo a defender que para formar médicos, daqueles que tratam doentes, não é preciso propina máxima. Para formar investigadores é que talvez seja.
Conte você as necessidades que lhe parece que o país tem de médicos que tratam doentes e diga-me, assim de passagem, quantos investigadores “propineiros” deve a Universidade fazer desabrochar por cada cem clínicos que nela se formam.
E olhe que, para tentar resolver o problema (muito sério) que você cita, do Público, das urgências hospitalares, nem o Lobo Antunes (que é neurocirurgião) nem o Sobrinho Simões (que é, entre outras coisas, filho do pai dele, exactamente!) lhe servem. Acredite em mim, que sou romântico e saudosista, mas só de vez em quando.
Você, a este respeito, parece julgar-se pragmático. Eu acho que você se baralhou um bocadinho... Estará você, também, com gripe?

View blog authority