Mimar torpores é torpe?
Estou com gripe desde ontem. Já tiveram gripe? Então sabem do que estou a falar. Aquelas dores moídas pelo corpo todo, o nariz pedindo lenços sucessivos, a tosse reclamando “fuma menos!”, os olhos lacrimejantes, a cabeça pesada e oca, o pescoço tornado cepo, os movimentos tolhidos, tudo ao mesmo tempo. A total falta de vontade. Um desespero.Quando era pequeno, ter uma gripe era melhor. Excepto em férias, tempo de correrias. Mas nas aulas valia a pena. Ficava em casa, na cama, davam-me xaropes e pastilhas, lia banda desenhada, ofereciam-me mimo e quase cem por cento de desconto nas parvoíces que me sentia no direito de fazer e de dizer: “coitadinho, tem gripe...”.
Agora não. Agora, suporto este calvário sem paciência nenhuma, dividido entre a vontade de ficar enfiado na cama, a marinar entre abafadores, e a de sair para apanhar ar fresco, esse purificador de miasmas. Ninguém tem tempo para me dar mimo, nem xaropes, nem pastilhas. Eu, sem os remédios, ainda passo menos mal. Agora sem mimo é que me custa mais.
Já telefonei a algumas pessoas, mas só encontro gente jovial (e, obviamente, sem gripe) que me afirma, alegremente, “ó pá, tem calma, isso vai passar num instante!”, ou “arrebita, reage a isso!”. E eu não consigo reagir.
Eu estou fraquinho, não vêem? Eu queria era mimo, não careço de promessas de melhoras, nem de estímulos para sacudir o torpor! Este torpor, este “estar aqui tão mal de mim”, eu gostava era que me tratassem dele sem mo estragar.
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