blog caliente.

4.11.03

O faroleiro

Bom. Ele há coisas to be continued. Há uns dias escrevi umas coisas soltas sobre um certo sub-grupo do sexo masculino cujas idiossincracias e bizarrias me suscitaram aquelas reflexões que então aqui deixei. E que mantenho, pese embora o traço grosso da caricatura, que foi intencional e que precipitou a besugal confissão, embora atenuada, da sua condição cromagnona. Atenuada, repito.

Agora deu-me para mais isto. Há um outro sub-grupo, igualmente masculino, que merece menção. Contrariamente ao cro-magnon, este já não enternece rigorosamente nada e causa, isso sim, uma vaga repulsa: dedico, assim, este post ao faroleiro português.

O faroleiro é, invariavelmente, um gajo todo espertalhaço. Fala muito, ri com todos os dentes que tem e em tom demasiado elevado. É ruidoso, prolixo. Veste fatos de tecidos brilhantes, alilasados ou verdes, de trespasse e calças largas. Gravata de tons e motivos berrantes. Meia branca, sempre. Emblema de qualquer-coisa na lapela, para se sentir pertença de qualquer-coisa. Por vezes, com lenço no bolso do blazer, a condizer com a infeliz gravata. Telemóvel topo de gama na mão, mariconera debaixo do braço. Lamentavelmente em extinção, esta última.

O faroleiro adora churrasqueiras de take away. Daquelas que servem doses abundantes, com muitas batatas oleosas ou semelhantes enche-panças, onde o faroleiro se sente histericamente bem, entre as garfadas de arroz que lhe besuntam o bigode - inevitável, o bigode - a entrar pela boca dentro, a cerveja de pressão em caneca XL e os restantes amigos faroleiros, todos barulhentos, todos de faces coraditas (eu garanto: não há nada de menos atraente do que um homem coradito, qualquer que seja a causa; excepto, talvez, se tiver menos de quinze anos), todos... bestiais . Nenhum ouve o que quer que seja a não ser a si próprio. Falam - ou melhor, gritam - de futebol, de gajas, de mandar esses pretos e esses russos todos para a terra deles e que andam aqui a comer o nosso pão, do sacana do patrão a quem invejam o BêÉme. Depois voltam aos assuntos futebol e gajas. Por esta ordem.

Possui uma inconfundível e aguçada visão RX com que observa, com precisão estudada, qualquer gaja que lhe passe pelo embriagado campo de visão, que come alarvemente com os olhinhos papudos e brilhantes, sempre, sempre pequeninos. Alerta, então, os restantes faroleiros para a descoberta, de forma que, supõe ele, ser discreta, por via do que todos se dedicam colectivamente à análise demorada da dita gaja e respectivos atributos. Sussuram, entre si, "que boa!!" ou outras lascívias aqui irreproduzíveis. Às vezes, abrem involuntariamente a boca e babam um pouco. A gaja, por sua vez, ou não se dá conta disso ou, se se dá conta, sente um arrepio na espinha. Acreditem. Com excepções, admito.

O faroleiro papa todas, rectius, todas as que deixarem. E papa-as como quem come as tais batatas oleosas, para a mera satisfação de mais um instinto fisiológico. No segundo seguinte, já saciado, dentro do tal ciclo cognitivo circular, está de novo a pensar no futebol. O faroleiro é um gajo extremamente seguro de si. Sente-se profundamente livre. Afinal, ele pode comer o que quiser e quem quiser. Gajas, batatas oleosas, enfim, o que quiser. E é feliz, naquela grosseira bestialidade. Porque ele sabe muito bem o que todas as gajas querem, ó se sabe. Topa-as a todas. E nunca vai perceber que só é verdadeiramente livre quem pode escolher dizer que não e não quem diz sempre que sim. Para o faroleiro, se uma gaja lhe diz "não", ou é sapatinha ou é sapatona. Ou por aí algures­, porque qualquer pretexto serve para que o faroleiro acredite que foi ele que não quis.

Suspeito que ainda me vou arrepender de me pôr aqui com estas sectarizações que, se mal entendidas, ainda me vão valer epí­petos menos próprios. Ainda me vão chamar feminista. Ou pior. Olha, que se lixe...

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