O faroleiro
Bom. Ele há coisas to be continued. Há uns dias escrevi umas coisas soltas sobre um certo sub-grupo do sexo masculino cujas idiossincracias e bizarrias me suscitaram aquelas reflexões que então aqui deixei. E que mantenho, pese embora o traço grosso da caricatura, que foi intencional e que precipitou a besugal confissão, embora atenuada, da sua condição cromagnona. Atenuada, repito.Agora deu-me para mais isto. Há um outro sub-grupo, igualmente masculino, que merece menção. Contrariamente ao cro-magnon, este já não enternece rigorosamente nada e causa, isso sim, uma vaga repulsa: dedico, assim, este post ao faroleiro português.
O faroleiro é, invariavelmente, um gajo todo espertalhaço. Fala muito, ri com todos os dentes que tem e em tom demasiado elevado. É ruidoso, prolixo. Veste fatos de tecidos brilhantes, alilasados ou verdes, de trespasse e calças largas. Gravata de tons e motivos berrantes. Meia branca, sempre. Emblema de qualquer-coisa na lapela, para se sentir pertença de qualquer-coisa. Por vezes, com lenço no bolso do blazer, a condizer com a infeliz gravata. Telemóvel topo de gama na mão, mariconera debaixo do braço. Lamentavelmente em extinção, esta última.
O faroleiro adora churrasqueiras de take away. Daquelas que servem doses abundantes, com muitas batatas oleosas ou semelhantes enche-panças, onde o faroleiro se sente histericamente bem, entre as garfadas de arroz que lhe besuntam o bigode - inevitável, o bigode - a entrar pela boca dentro, a cerveja de pressão em caneca XL e os restantes amigos faroleiros, todos barulhentos, todos de faces coraditas (eu garanto: não há nada de menos atraente do que um homem coradito, qualquer que seja a causa; excepto, talvez, se tiver menos de quinze anos), todos... bestiais . Nenhum ouve o que quer que seja a não ser a si próprio. Falam - ou melhor, gritam - de futebol, de gajas, de mandar esses pretos e esses russos todos para a terra deles e que andam aqui a comer o nosso pão, do sacana do patrão a quem invejam o BêÉme. Depois voltam aos assuntos futebol e gajas. Por esta ordem.
Possui uma inconfundível e aguçada visão RX com que observa, com precisão estudada, qualquer gaja que lhe passe pelo embriagado campo de visão, que come alarvemente com os olhinhos papudos e brilhantes, sempre, sempre pequeninos. Alerta, então, os restantes faroleiros para a descoberta, de forma que, supõe ele, ser discreta, por via do que todos se dedicam colectivamente à análise demorada da dita gaja e respectivos atributos. Sussuram, entre si, "que boa!!" ou outras lascívias aqui irreproduzíveis. Às vezes, abrem involuntariamente a boca e babam um pouco. A gaja, por sua vez, ou não se dá conta disso ou, se se dá conta, sente um arrepio na espinha. Acreditem. Com excepções, admito.
O faroleiro papa todas, rectius, todas as que deixarem. E papa-as como quem come as tais batatas oleosas, para a mera satisfação de mais um instinto fisiológico. No segundo seguinte, já saciado, dentro do tal ciclo cognitivo circular, está de novo a pensar no futebol. O faroleiro é um gajo extremamente seguro de si. Sente-se profundamente livre. Afinal, ele pode comer o que quiser e quem quiser. Gajas, batatas oleosas, enfim, o que quiser. E é feliz, naquela grosseira bestialidade. Porque ele sabe muito bem o que todas as gajas querem, ó se sabe. Topa-as a todas. E nunca vai perceber que só é verdadeiramente livre quem pode escolher dizer que não e não quem diz sempre que sim. Para o faroleiro, se uma gaja lhe diz "não", ou é sapatinha ou é sapatona. Ou por aí algures, porque qualquer pretexto serve para que o faroleiro acredite que foi ele que não quis.
Suspeito que ainda me vou arrepender de me pôr aqui com estas sectarizações que, se mal entendidas, ainda me vão valer epípetos menos próprios. Ainda me vão chamar feminista. Ou pior. Olha, que se lixe...
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