blog caliente.

9.12.05

Às crónicas

Caríssima Luna,

Se você dissesse que o besugo tem um péssimo feitio, ou que é mais teimoso do que é sportinguista (que é, caramba, e olhe que ele é lagarto até ao tutano), que amua sempre que alguém aqui discorda dele (só eu e o Alonso sabemos o que passamos) e que é homem de ódios de estimação (veja-se os casos, mais gritantes, de Luís Delgado ou de Cavaco Silva, embora haja mais; um dia desses faço aqui um registo disso, para memória futura), eu não só concordava como aplaudia. E você demonstraria aguçado espírito de observação e notável destreza, nessa nobre arte da crítica literário-futebolístico-política.

Mas você fala, afinal, de uma suposta crueza com que o besugo fala dos homens e mulheres, muitos deles com a vida a prazo, que, como médico, lhe passam pelas mãos. Eu, evidentemente, não a conheço e muito menos sei de possíveis experiências suas que a tenham levado a ler os escritos do besugo com olhos diferentes daqueles com que eu leio. O que sei, independentemente disso, é que não há nada melhor para nos afagar os processos de angústia ou de dor do que saber que há quem nos trate, a nós e às pessoas que nos fazem falta, olhando-nos fundo na alma, querendo perceber um bocadinho da nossa dor. E que, escrevendo, nos dá isso a saber. Não cura, não devolve a vida a quem morre, não diminui os sintomas, não nos afasta do sofrimento. Mas, caramba, alivia-nos a alma. Sabemos, no fundo, que só nós sofremos, mas que não sofremos sós.

Cruas, essas sim, são as tragédias de quem sabe que vai morrer. Proponho-lhe, por isso, que apure ainda mais esses “racionalidade e pragmatismo”, se eles lhe servem para ler quem escreve sobre dores profundas. Quanto mais racional e pragmática for, menos lhe custará ler, julgo eu. E menos se choca a saber da verdade de quem morre, lendo-a a quem a vê de perto. Use-as como aquele truque de que nos socorremos quando alguma coisa nos faz chorar, aquele de pensar numa coisa que nos faz rir. Cavaco Silva como Ministro da Cultura, por exemplo.

Obrigada pela sua referência, simpática, ao blogame mucho.

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