Salvem as amêijoas.
A imagem do riso dos nossos filhos é ainda mais bonita quando se riem enquanto ouvimos Rachmaninov esquecendo que, aqui a cem metros de distância, há um estafermo em forma de betão chamado Praia da Rocha. O meu sonho, aquele do outro dia, não me sai da cabeça.Enfim, quando se está de férias desperdiça-se tempo em inutilidades na mesma proporção com que se ganha. Eu, quando não tenho nada que fazer, vejo muito e ouço muito. Dedico-me a (in)actividades que se tornam proveitosas e, até, úteis, fazendo uso apenas dos dois sentidos mais passivos de que disponho. Descobri, assim, que as pessoas em férias se tornam muito mais agradáveis se ao ruído que produzem se sobrepuser o som de uma música. Tornam-se, até, bonitas; os gordos movimentam-se mais graciosamente e os nórdicos até parecem mais meridionais.
O Algarve todos os Verões se desperdiça de forma lamentável. Os anglos, os saxões e os vândalos preferem piscinas às praias, preferem pizzas ao peixe fresco, preferem hamburger&fries às sublimes ameijoas. Em Alvor, é fácil reconhecer um adolescente inglês: antes das sardas que pintalgam a pele leitosa, repara-se na camisola da selecção portuguesa(!). Estranhos fétiches. É a estes europeus, de que os que aqui vejo são amostras relativamente aproximadas, que estamos unidos. Veja-se bem. E nós é que nos esgotamos a queixar-nos dos nossos atavismos nacionais.
Tenho lido muito. Li contos do Oscar Wilde, li as cartas de Clarice Lispector ao Fernando Sabino (e vice-versa), li a Susan Sontag a falar de fotojornalismo de guerra (tema que, acreditem, é bastante mais soturno se lido num resort de férias). Usei-os, também, como meio de afastar o ruído dos saxões...
Ontem saíram daqui dois felizardos a caminho de Buenos Aires. Prometeram-me tangos, dos genuínos, porteños. Por una cabeza, talvez. Aqui, na Costa do Marfim, não há tangos mas, quem quer, trá-los consigo. Eu trouxe, besugo. Na cabeza.
Aos que já trabalham, bom trabalho. Aos que estão de férias, o melhor que lhes posso desejar é que não estejam na Praia da Rocha. Ao besugo, peço que me mantenha ao corrente sobre a "onda suicidária" que percorre a blogosfera e aviso que, quando tiver mais do que meia hora para escrever, voltarei ao assunto aspirinas vs intermarché.
Tenho saudades do Porto e do Douro. O que é bom.
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