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27.8.05

Directamente do Oceano Índico: sobre indignidades

Aqui, em Bazaruto, chegam-me notícias de uma inovadora decisão do Supremo Tribunal de Justiça que, na graduação de créditos de uma falência de uma empresa portuguesa, considerou prevalecentes os créditos da Caixa Geral de Depósitos em relação aos créditos dos trabalhadores/credores.

Lamentavelmente, a biblioteca do Palms Spring Resort, aqui no Índico, não disponibiliza qualquer exemplar do Código Civil português, que eu imediatamente tive vontade de consultar para ver se as minhas evidências jurídicas estavam erradas - porque estavam, isso é seguro - à luz da lei ou da lógica. Em todo o caso, não discutirei, aqui, essas opções doutrinais ou legislativas do aromático mundo jurídico, que não interessam ao comum e livre pensador mortal mais do que interessam os nomes científicos das injecções e pózinhos de alquimia (vulgo, medicina) com que o besugo, com o seu habitual espírito sintético, regularmente nos brinda. O mesmo se diga, mutatis mutandis, das suas teses sobre o mundo da bola e, em particular, sobre o plantel do Sporting.

Voltando ao tema que aqui me traz: para quem defende que o Direito é uma ciência, e mesmo para quem defende que o Direito, além de ser uma ciência, é uma ciência acessível (olá, besugo!), é possível que defenda que é natural que a regulação das relações jurídicas se torne, às vezes, numa pura (no sentido de abstracta) aplicação do Direito aos factos e que, quando a literalidade da lei não é suficiente, se busquem, por via interpretativa, as soluções que a lei quis dar aos factos "sub judice". Quem pensa assim o Direito não é, porém, jurista, embora possa eventualmente orgulhar-se de ter uma licenciatura desta nobre área e, até, com classificação brilhante. Há casos desses, reais, garanto. Pelos vistos, até entre os ilustres Senhores Conselheiros do supremo tribunal.

Não é concebível que a aplicação do Direito se reduza à aplicação de uma regra simples: a de que o que é especial derroga o que é geral. O que os Senhores Conselheiros fizeram, ao declarar prioritários os créditos da Caixa em detrimento dos créditos dos trabalhadores, foi indigno das suas eminências. Espicaçados por juristas brilhantes sedentos de reconhecimento e da auto-estima que só encontram nos articulados longos, mas que, aposto eu, usam óculos, são baixinhos, gordos e falhos de inteligência social. Os chamados "totós", que frequentemente são virgens até de saber da pobreza em que outros vivem.

Repare-se bem. O Supremo Tribunal é a última instância de recurso. O Supremo Tribunal sancionou, com farta e (admito) inatacável argumentação jurídica, a iniquidade com que os grupos económicos e os poderosos em geral se estão nas tintas para os que trabalharam a troco de pouco (ou de muito, ora) e que, agora, seguramente não receberão um euro que seja.

É isto, meus amigos, o liberalismo económico aplicado ao Direito. Rejubilem, ó liberais.

Alonso: se isto te parece centrismo, é porque a vida em Lisboa te torna impertinente. Aproveita bem as amêijoas, que aqui em Madagascar são um mimo.

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