Tricas e serões
Se o João Tunes me mostra um sofá eu, que moro nas terras quentes do Douro todo o ano(mesmo quando as terras quentes arrefecem), afinfo-lhe logo com uma lareira. Para ambos nos aquecermos, quando vier aí o suanete.
Se esta conversa tivesse acontecido na invernia (imaginem só, o João Tunes e este besugo, na invernia, ambos alapados no sofá do João, em frente à lareira do inenarrável peixe), podia ter sido assim:
"...a TVI, no caso, diz que pratica informação, vende informação..."
Pois vende, João, diz e vende: e a questão é mesmo essa. Eu consigo imaginar, daqui do seu sofá, dezassete TVIs a vender o mesmo. É uma prática...
"...Mas o compromisso de raiz, de honra até, que presidiu à onda privatizadora dos órgãos de informação foi mais liberdade, nunca menos liberdade e muito menos uma espécie de liberdade, a entendida segundo os critérios restritivos dos novos donos, accionistas e capatazes."
Pois foi, eu sei, isso dos "compromissos de mão no peito" enquanto se passam cheques com a outra mãozita, eu sei. O que me conforta é que percebi cedo que as ondas (as ondas todas) andam sempre mais ligadas a "uma espécie de valores" que "aos valores" propriamente ditos. E que o meu conceito de liberdade esbarrava, fortemente, desde logo, com uma coisa que se chama "liberalismo". E era disto que ia passar a haver mais, de "liberalismo"; não era de "liberdade", João. E quanto aos novos donos... eu digo-lhe já a seguir, se você quiser ter a paciência de me continuar a ouvir.
"...Não é perverso, quando o Estado passou quase tudo o que tinha a passar de público a privado, defender agora os critérios de não censura apenas para os bocados que sobraram? O nosso critério de opinião livre e direito livre de informação, em termos de televisão, só se cingem à RTP? Como? O resto é, por natureza, a bagunça e a manipulação? Nas calmas. Por amor de quem?"
Olhe, João, pergunta você por amor de quem? Por amor de Deus! Você sabe lindamente que não é o estado que "SE" privatiza, são os governos que se querem ver livres "DELE" que "O" privatizam, que o vão vendendo às fatias. Não há nada de autofágico nisto, o que há é muita mercearia! E você sabe, tão bem como eu, que quando os governos privatizam mais uma fatiazinha de estado, "é só mais esta", é como se a (ven)dessem (à fatiazinha) a um novo e mais pequeno dono. E que há sempre a possibilidade de o novo (e mais pequeno) dono encarar a fatia de estado que comprou (e comprou-a aos governos, repito), como "a little pet of his own". E de mandar, com desplante sobranceiro, açaimá-lo. Exactamente, açaimá-lo. Ou, mesmo castrá-lo, essas coisas que os donos tendem (eu disse "tendem") a fazer aos seus animaizinhos.
"...E não é selvagem (perdoe-se a dureza do termo) a brutalidade da ideia de que os privados são donos e senhores dos seus reinos, isentos do direito, das regras, dos usos, dos costumes e das obrigações? Como se numa sociedade, alguém, por mais poder e dinheiro que tenha, possa constituir coutadas em que os direitos constitucionais e as leis fiquem à porta."
Pois, quanto mais o leio, mais vejo que anda a descobrir o verdadeiro significado do "neo-liberalismo económico". Neste caso, na sua vertente "informativa", que é tão "vendável" como as outras... Não, não é selvagem, ser selvagem não cheira assim tão mal, João. Isso que o meu amigo descreve é ser "feudal". E eles tendem ao feudalismo, João. Eu disse "tendem". Em podendo, até o "direito de pernada" mantinham, João. Acredite.
"... Não admite, estimado besugo, que no caso de que tratamos, e para seguir a sua lógica, a TVI não avisou, devendo avisar, que serve o que quer, o lixo que quer, mas não presta informação? No seu conceito tão absoluto do poder privado nem a isso acha que temos direito?"
Estimado João Tunes: eu tenho um conceito "tão absoluto" do poder privado, para seguir a sua linha de raciocínio, que o abomino! Ao poder privado, não a si, que a si estimo-o, mesmo quando finge que não me lê.
No fundo, verifico que o meu amigo andou aqui iludido, estes anos todos, à espera que tivessem a amabilidade de o avisar que as estações de televisão que têm dono podem (eu disse "podem") tender a veicular a voz do dono. Ou, em alternativa, podem tender (eu disse "tender") a calar latidos inconvenientes. Daqueles que pareçam (ao dono, claro) ameaçar transformar-se em mordidelas de mabeco nas canelas do ... exactamente, muito bem, agora todos em coro: do dono!
Repito-lhe esta provocação:
"Chateava-me (e há-de chatear-me, um dia, às tantas) era se se passasse na televisão pública. Aí é que era grave. Nas outras todas, dezassete que sejam, é previsível, provável, se calhar inevitável. Que se entendam."
Quer você mais um copo?
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