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5.10.04

Le Père Noel, encore une fois...

A proposta de Acordo Colectivo para os Hospitais SA de que o besugo falou há uns dias - e que eu, entretanto, li - vem acompanhada, como exige a lei, de um memorando explicativo. A proposta, em si, já é suficientemente alarve para ser, sequer, tomada e discutida com seriedade; o memorando é apenas a gota de água que faltava. Ou muito me engano ou fará com que o Ministério, através dessa entidade esconsa pomposamente designada por "Unidade de Missão para os Hospitais, SA" (até tem um site todo laroca, muito avant-garde, cheio de propaganda à empresarialização da saúde e de gráficos ilustrativos do sucesso da gestão SA), se espalhe ao comprido na estratégia velada de pacificação dos recursos humanos da saúde. A ideia, clara e demasiado denunciada (les pauvres petits...), consiste em espartilhar os profissionais da saúde num acordo de trabalho que os mantenha colaborantes por imposição, mal pagos por obrigação e calados por falta de opção.

Eu espero que os profissionais afectados por esta proposta - e que não são apenas aqueles que ainda hão-de entrar no mercado de trabalho e a quem este acordo colectivo, a entrar em vigor, lhes seria imposto - venham a ter a mais cristalina noção da desonestidade que esta proposta representa. Eu li-a e vi lá de tudo:

- o aumento dos limites do período normal de trabalho que "constitui um verdadeiro desafio ao espírito de serviço público dos profissionais da Carreira Médica e de enfermagem e à compreensão de que o momento presente exige um acréscimo dos limites do período normal de trabalho susceptível de contribuir para minorar a escassez daqueles profissionais", ao qual se faz corresponder um pretenso aumento de retribuição que, na prática, é antes um decréscimo de retribuição - porque, subrepticiamente, a proposta previligia a prestação de trabalho em exclusividade (a acumulação de funções não autorizada é uma das poucas infracções disciplinares que está tipificada na proposta).

- a remissão, para regulamento interno a elaborar pelas administrações de cada Hospital, de matérias como a avaliação de desempenho e incentivos, entre outras. Os aumentos salariais e a progressão na carreira ficariam, assim, à margem do acordo e à total discrição das administrações e da sua (im)provável boa fé. Passaria a ser possível, por exemplo, que se regulamentasse que "o trabalhador só terá aumentos salariais se, cumulativamente, o Conselho de Administração entender, segundo o seu prudente arbítrio, que o trabalhador o merece e, bem assim, se as disponibilidades financeiras do hospital o aconselharem..."

- o "ius variandi" em todo o seu esplendor e sem qualquer limitação. Qualquer profissional do "grupo profissional de prestação de cuidados de saúde" poderia ser "emprestado" a outras "entidades" (não clarificadas) situadas no mesmo concelho ou em concelho limítrofe, sem apelo nem agravo, que é como quem diz, sem possibilidade de oposição por parte do trabalhador. Tudo em cumprimento do dever.

Há mais, muito mais. O documento deve ser lido como um todo, bem sistematizado e bem articulado, que prossegue um único objectivo, o mais ambicioso da tal empresarialização da saúde: o de dominar os recursos mais preciosos e mais insubstituíveis. O erro, grosseiro, possidónio e, portanto, indesculpável, é o de quererem tranformar todos eles em mão-de-obra produtiva, mas sobretudo barata. É o que ditam os princípios da boa gestão...

Eu, na saúde, sou só utente. Mas isto também me desagrada.

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