A Foz do Rio
As pessoas da Foz velha são diferentes de todas as outras pessoas portuenses. Muitas vezes reconheço nelas o falar à Foz que ouvia da minha avó paterna, nascida e criada numa das inúmeras casas das labirínticas ruelas estreitas onde a cada curva se descobre o rio. As pessoas nascidas na Foz diziam, e ainda dizem, que "vão ao Porto", como se dele não fizessem parte.
A Foz, a Foz velha, tem qualquer coisa difícil de definir que a torna diferente do resto da cidade: é elegante - uma espécie de Montmartre, embora e felizmente mais duriense e mais atlântica, e é, ao mesmo tempo, um cenário imenso de famílias cruzadas, de vidas duras, de insanidades latentes.
Um destes dias, passei na rua por uma mulher da Foz velha, uma mulher envelhecida, de cara sulcada. Chorava, explodia em lágrimas, expressava um qualquer desespero que a queimava por dentro. Seguia pela rua, aparentemente não tinha rumo e eu, que comecei por olhá-la algo desavergonhadamente, acabei por ouvir o que dizia à outra mulher que a acompanhava, provável vítima dos mesmos males que a primeira acompanhou noutros pesares. Falava do homem, que lhe bate desde sempre. E que desde sempre foge de casa sempre que ele lhe bate. Ainda ouvi a outra perguntar-lhe se tinha ido à polícia. Que não, não tinha ido, que já tinha ido antes e que nada aconteceu. Destino negro o dela, palavrão vazio para quem está de fora, que a persegue.
E eu, cá de fora daquele destino, ouvia-a e via-lhe os olhos sofridos, com a Foz Velha, a sólida Foz Velha, mais o rio Douro, os dois, como sempre, juntos como cenário de fundo.
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