A Musa
Toda a gente já experimentou a sensação de ouvir uma música que lhe traz recordações passadas. Isso passa-se, por vezes, com uma série de canções que se revelaram, num dado momento, aperfeiçoadoras da nossa existência ou, o que dá no mesmo, todas tornadas elas perfeitas, ou imprescindíveis, por efeito desse preciso momento. Há sempre uma música certa para cada estado de espírito; em certas situações, a música certa é, aliás, o silêncio, até mesmo um silêncio vagamente ruidoso.
Todos temos, para uso exclusivamente privado, uma banda sonora criteriosamente escolhida e recorrentemente recordada que acompanha toda a nossa existência. A minha, que é longa e consideravelmente eclética, tem a Nara Leão pelo meio. A Nara Leão, por sua vez, também era assaz eclética: de menina bem da zona sul carioca e elemento catalizador do movimento Bossa Nova, transformou-se a dada altura em cantora de intervenção política, em que denunciava, em forma sambista, as misérias da pobreza brasileira. Coube-lhe, por isso, o exílio europeu, onde retornou à Bossa Nova que cantava (sussurava) como ninguém. Há uns (muito) valentes anos atrás, comprei o disco "Garota de Ipanema", quase todo com músicas do Tom Jobim. Foi a Nara Leão que me mostrou toda a Bossa Nova de que eu, desde esse tempo que me lembro ser azul de mar e céu, de noites suaves e de dias serenos, passei a gostar, de gosto cultivado. Nara Leão morreu quando ainda cedo para morrer, mas deixou os abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim que o Tom também compôs, sem saber, para ela.
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