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13.7.04

Da deriva plebiscitária e de oligarquias

Qual Egas Moniz de corda ao pescoço, me penitencio. Afinal o Sampaio, contra o que eu apostava, não convocou eleições.

Devo-vos dizer que desta vez fui mesmo surpreendido. Mas depois ... lembrei-me: O homem é, apesar de tudo, formado em Direito. Estudou Ciência Política e Direito Constitucional (tirou o curso durante o Estado Novo, por isso ainda deve ser do tempo em que se aprendia qualquer coisa de útil nas faculdades (att: o excerto anterior, para além de ser verdade, é uma boca provocatória. E este parêntesis também).

Deve ter participado activa e apaixonadamente na definição constituconal do regime. Entre as várias opções possíveis, penso que terá estado com a opção vencedora: a do semi-presidencialismo/semi-parlamentarismo.

E agora, foi fiel a essa opção. Há um excerto do seu discurso, muito pequeno e quase imperceptível, que o diz. Quando afirma não querer "derivas plebiscitárias".

Trocado por miúdos, e se eu entendi bem, o que o nosso Pres não quer é que as eleições parlamentares passem definitivamente a ser eleições para "primeiro ministro".

Não há nada de mal nisso, penso eu. O regime norte americano é assim. Elege-se - pessoalmente - o chefe do Governo. Só que o poder parlamentar é eleito em eleições separadas. E não há - porque não é preciso - diferença entre Chefe do Estado e Chefe do Governo.

Perversão total seria embarcarmos todos no discurso do (tonto do) Louçã, que anda por aí a bradar que este Primeiro Ministro "não foi eleito" (sic). Por esta lógica, os parlamentos seriam verbos de encher e os deputados uma espécie de excrescência constitucional. Afinal, quando votámos para eles, não votámos neles, mas sim no Chefe do Governo. E este teria uma legitimidade política e eleitoral igual à do Presidente da República e, também, igual (ou superior à do parlamento).

Assim, o nosso PM deixaria de depender, simultaneamente, da nomeação do PR e da aprovação do programa do Governo pela AR. Este é hoje o nosso sistema. O Louçã não é que o queira mudar. É mais simples. Não o entende.

É evidente que quando um Partido se apresenta a eleições, fá-lo apresentando um projecto de governação. E um rosto (ou vários). Mas isso não retira o carácter parlamentar - e representativo - das eleições.

A este propósito, vi ontem o (também tonto do) João Soares na SIC notícias. O dito chegou ao cúmulo de dizer que não era só na chefia do Governo que faltava legitimidade política. Era também na CML.

Isto deu-me que pensar. É que, na verdade, o Presidente da CML é eleito, em eleições para esse específico cargo (são por lista, mas são eleições directas para formação dos executivos. E a par - mas separadamente delas, como não podia deixar de ser - elegemos o "parlamento autárquico", ou seja, a Assembleia Municipal.

Por isso, o João Soares até pode ter alguma razão no que respeita à Câmara Mun. de Lisboa. Só que ...

... ele é a última pessoa à face da terra que poderia, sem provocar o meu sorriso (não sou tipo de gargalhadas), falar nisso. Pela razão de que ele se tornou Presidente da CML porque o Sampaio (que o era) foi entretanto eleito Presidente da República.

Enfim, o povo tem memória curta e o João Soares sabe que ninguém se lembrará de tal coisa quando o PS andar - na CML - a dizer que o Carmona Rodrigues não tem legitimidade.

Voltando ao Sampaio: a "deriva plebiscitária" que ele teme existe, porque as pessoas na verdade pensam nas eleições legislativas como "eleições para Primeiro Ministro". E basta que assim pensem para que a "deriva" seja real. Será que, com esta decisão, o povo passará a votar nas legislativas com o sentido de que de facto estão a eleger deputados? É duvidoso que assim seja. No entanto, ficam a saber que a questão se coloca. Já o faz pensar um pouco mais no desenho constitucional que temos. O que não é mau que aconteça.

Comentando a atitude do Ferro Rodrigues. Não concordo evidentemente com ela, e acho que o Ferro mostrou, uma vez mais, que padece do defeito de não separar a sua pessoa do estatuto de líder da oposição. Sublinhou, mais do que uma vez, que entendia a decisão do Sampaio como uma derrota "pessoal e política". "Pessoal" porquê? E, sobretudo, que é que nós temos a ver com isso? Foi uma derrota política, mas nem sequer foi uma derrota política grave. Fica por isso a derrota pessoal como verdadeira causa da demissão. E isso lembra-me a defesa que o besugo fez do Ferro aquando do episódio "Regresso do Pedroso à Assembleia". Em suma, o Ferro tem a minha simpatia, mas como líder de um partido falta-lhe estofo e acaba por não passar de um "erro de casting".

Quem eu gostava de ver a liderar o PS era o António Costa, mas ele parece que considera não ser ainda a hora para isso. Não é que eu seja simpatizante do PS ou admitisse votar no PS por o António Costa ser seu Sec. Geral. Mas sei que é inevitável que o PS passa pelo Governo de vez em quando e, quando isso acontecesse, preferia ver o António Costa a liderá-lo.

Para terminar, um comentário à uma frase da lolita, mais ou menos assim: "oligarquia a decidir por ti, por mim, por nós todos". Loita, a oligarquia de que falas foi eleita e submeter-se-á a eleições no fim do mandato. Aliás, essa oligarquia foi eleita justamente para fazer o que vai fazer. Se queres eleger directamente o Chefe do Governo di-lo. E se achas que a democracia representativa (que pressupõe a existência da tal "oligarquia eleita") não serve, defende a democracia directa e retira poderes ao parlamento em favor de quem tu eleges "directamente" - o primeiro ministro, o P.R., quem mais entenderes.

Até lá, aceita a "oligarquia" pelo que é. Um conjunto de pessoas e instituições, integradas num "sistema constitucional" pensado para que funcione, assegurando dois objectivos aparentemente contraditórios: a estabilidade/governabilidade, por parte do Estado; a liberdade/responsabilidade de escolha e de alterar essa escolha, por parte do Povo.

PS - Eu também queria falar da Ana Gomes. Mas calo-me, para não ferir a sensibilidade do besugo, que gosta dela.

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