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11.7.04

A forma e a matéria

A decisão de Jorge Sampaio é, curiosamente e contrariamente à vox populi que vem debatendo o assunto, fraquinha e, afinal, previsível. JS é, com efeito, um político de consensos - eu própria já tinha pensado nisto, embora errando na estratégia que o conduziria. E eu, quando penso em pessoas demasiado consensuais, lembro-me sempre daquilo que pensamos quando conhecemos alguém que, à falta de qualquer outra qualidade mais marcante, achamos apenas ser "simpático". JS é de facto, e só, simpático, cordato, pacificador. Consultou os amigos notáveis, encontrou na Constituição o fundamento jurídico fácil que lhe protege a frágil decisão em que nem ele acredita e com a qual manterá, assim, a podre pax lusitana.

JS sabe, porém, que existia fundamento constitucional bastante para tomar a decisão contrária e sabe também que, na forma, ela seria tão imaculada como a que entendeu tomar. Não obstante, preferiu demitir-se da responsabilidade que inequivocamente lhe cabia de dar seguimento à crise política e à agitação social que se seguiu à demissão de Durão Barroso, que teria forçosamente de concluir o seu curso natural através da consulta popular. Não leu ou, lendo, não os atendeu, a esses sinais. Tinha a obrigação de, ocorrendo-lhe a mais ínfima dúvida sobre o que pretendiam os portugueses para o futuro, deixá-los pronunciarem-se a meio de uma legislatura interrompida e de um programa de governo abandonado pelo seu líder. Eu, que ultimamente tenho sido eleitora abstencionista, entendo que JS tinha mais obrigação de me consultar a mim do que de consultar o rol imenso de notáveis que consultou. É que a Constituição que JS usou para se sustentar defende e sanciona, sobretudo, a soberania efectiva e a representatividade democrática. Materialmente, a Constituição obriga JS, como garante da efectivação da vontade soberana dos eleitores portugueses, a tomar a decisão contrária. O receio de colagem ideológica à esquerda, de que JS deveria orgulhar-se em vez de negar e que em nada impediria uma decisão que - também - agradasse à esquerda, empurrou-o para a manutenção de um "status quo" em que pelo menos boa parte dos portugueses já não acredita. JS não decidiu, tal como lhe competia, como um presidente da república que, segundo a definição constitucional, representa todos os portugueses. JS decidiu, apenas, como um pacificador de conflitos, como um juiz em causa alheia, o que é muito pouco. Com a agravante de ser uma decisão de curto prazo.

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