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10.7.04

Decisões (II)

Estive de urgência. Por isso, ouvi o Presidente da República e, mais tarde, Ferro Rodrigues, entre uma cardiomiopatia dilatada em anasarca, uma intoxicação por benzodiazepinas e umas hematemeses. É evidente que refiro estes casos de selectiva nomenclatura (embora nem por isso, vai-se lá pelo sentido...) apenas numa tentativa desesperada de abrilhantar a pouca-monta que se segue: uma análise de (mal) informado besugo.

1 – O Presidente da República, ao contrário do que algumas pessoas dizem, não precisou de muita coragem para tomar a decisão que tomou. Nem de renegar o seu esquerdismo (como eu não renego o meu, que é sólido e antigo, uma questão que nem em forja de ferreiro se resolveria). Não. Ao Presidente da República, para resolver a crisezinha do PSD transformada em crise nacional, bastou-lhe aplicar a hipótese 4 da célebre “dogmática de besugo”, que todos recordam enternecidos, creio eu.

2 – O Presidente da República, ao invés do que leio e oiço em muitos sítios, não traiu a esquerda que o elegeu. Cuido ser Jorge Sampaio o Presidente da República de Portugal, não o Presidente da Esquerda Que o Elegeu. Nunca vi Jorge Sampaio como só meu, da mesma forma que ninguém me conseguiu convencer a ver JMDB (ou JB, parece-me que se encurtou todo no seu novo desiderato) como só deles. São todos nossos, a bem dizer. A gente não gosta de todos por igual, claro. Gostamos mais duns que doutros, é normal, eu gostava mais do Presidente da República que de J(MD)B e continuo a gostar assim, até por maioria de razão, agora.
O Presidente da República decidiu o que sempre me pareceu normal que decidisse, complicando a decisão com um processo de “auditoria, análise, maturação e síntese” porque, bem vistas as coisas, é sempre necessário conferir às decisões a credibilidade de alguma demora.

3 – Esta “crisezinha” foi um estandarte bem escolhido pela esquerda. Que colherá no futuro, os senhores verão. O tempo da colheita é o seu próprio tempo, não se colhe na floração.
Era inevitável. Toda a gente perceberá que à esquerda competiria isto mesmo: agitar, pedir eleições, querê-las. Mal feito fora, a esquerda remeter-se ao silêncio sepulcral de quem não se revê como alternativa. A esquerda exerceu o seu direito de pressão, como a direita o exerceu. Legitimamente. Se não se podem exercer pressões sobre o mais alto magistrado da nação, então, eu quero, desde já, deixar de fazer urgências à noite, quando não disponho de nenhum conselheiro e estou cansado demais para decidir sozinho! O jogo político (eu gosto mais de futebol, apesar de tudo, como sabem) permite este tipo de pressões porque se rege por um barómetro de duas escalas: com raras excepções, em cada político, há um fura-vidas em "full-time" e um estadista em potência; e o seu comportamento depende, quase só, de estar em velocidade de cruzeiro ou... acelerado por nós. Isto mede-se em escalas diferentes, como é bom de ver, por muito que me ceguem as poeiras da miopia.

4 – Ferro Rodrigues é um homem de quem gosto. Muito a sério. Mereceu-me sempre credibilidade, respeito. Gostei sempre de pessoas genuínas, capazes de se deixarem trair por emoções sem deixarem de ser firmes. Tem carácter. Tem força, mesmo quando parece estar a ser fraco. A fraqueza dos outros, se apontada, não passa de reflexo no nosso espelho. A gente é que finge não notar essas "torpezas", para não precisar de fluoxetina por enquanto. É o nome genérico dum anti-depressivo.
Desde que cometeu o crime de lesa-pequena-lógica de obrigar o PSD a coligar-se com 5(?)% (será tanto? vamos saber se não será menos que isto, dentro de dois anos) dos portugueses para poder governar-nos, Ferro Rodrigues tem demonstrado traços de carácter que me agradam muito. E não era fácil, naquela altura, conseguir minorar os estragos da demissão de António Guterres, explorada até ao tutano do vilipêndio pelos “estilistas” contratados do comentário. Este homem de bem, Ferro Rodrigues, um dos que me parece reger-se por barómetro duma escala só (riam-se, é fácil o gáudio quando alguém assim se expõe!), tem obrigação de se sufragar em Congresso, mesmo que agora lhe pareça que não quer. Isto não é só por si, é por muita gente. Resista. É fácil à direita gozar consigo porque você expõe-se tanto que se vê quase todo e eles estão habituados a ter de adivinhar para conseguir ver. Não ligue, acalme-se. Prepare-se. Estude. Vá à luta, homem! Isto não deixou de ser consigo, a gente ainda está a olhar para si! Vá lá afrontar as carrilhadas e outros folclores, que há gente que continua a gostar de si, mesmo sem ter tido tempo para lhe ouvir o discurso todo de demissão ferida.

5 – Bonita e entristecida polémica, no Tugir. Gente boa que está triste e discute só por isso. E discute bem, que discutir é bom.


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