Sobre a Sophia...
Estranhamente, sobre a mulher cujo nome Alice Vieira disse significar "poesia", eu conheço muito melhor a prosa. Aliás, alguma prosa. Há, nos Contos Exemplares (que Sophia dedicou ao marido Francisco, ao admirável Francisco Sousa Tavares), um conto chamado "A Viagem" cujos personagens - um homem e uma mulher, sem nomes - viajam à procura de um local desconhecido que lhes tinham contado ser de rara beleza. À medida que viajam, vão perdendo tudo para trás: a estrada, as casas, as recordações. Quando chegam a um abismo, o homem cai e a mulher, segura por uns ramos, diz para si que, do outro lado do abismo, há-de estar alguém. Este conto é, digo eu, uma sublime alegoria sobre a liberdade em estado puro e está sempre na minha memória.Curiosamente, uns dias antes da Sophia morrer, o meu filho tinha começado a ler "A Fada Oriana", um dos seus contos infantis que os pais lhe compraram ainda não tinha ele um ano. Iniciei-o na leitura da Fada que, invisível, ajudava a velha e contei-lhe que li, e como li, todos aqueles livrinhos que esperam por ele na estante. A prosa da Sophia encantou-me a infância e embelezou-me a vida. Daqui a uns anos, ensinar-lhe-ei o que Sophia me ensinou com "A Viagem".
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