Sobre clusters e manifestos
Há muito tempo que todos sabemos que a verdade jornalística é, sobretudo, aquilo que vende jornais ou garante audiências. No processo criativo, é tudo uma questão de grau de tratamento do facto, situado numa ampla moldura de hipóteses que pode ir desde o simples relato ipsis verbis de uma declaração polémica (da inteira responsabilidade do autor) que é, claro, ouro sobre azul no jornalismo sensacionalista, até ao destaque de uma particular (mas, quase sempre, secundária ou irrelevante) circunstância envolvente do facto que é elevada a facto nuclear da notícia. Todos sabemos, também, que todos os executivos políticos, aparelhos partidários ou, em geral, qualquer grupo ou organização cuja imagem dependa, em medida substancial, de acções de propaganda e de divulgação de eventos devem, forçosamente, estar dotados de eficazes e bem relacionados gabinetes de imprensa (na verdade, trata-se de aspirantes a gabinetes de controle de informação) que assegurem que o conteúdo da notícia que se quer divulgar é o conteúdo da notícia que efectivamente será divulgada - melhor, aquilo que permanecerá indelével na nossa retina, enquanto leitores/espectadores, venha o ruído que vier à mistura. A isto, também todos sabemos, chama-se manipulação das opiniões dos cidadãos que, na sua maioria, são sobretudo eleitores, para o que aqui importa.Deste ponto de vista, o governo Sócrates tem gerido as suas relações com a imprensa de forma calamitosa. Já guardámos na memória a desinformação incómoda sobre os putos seleccionados num casting para a promoção daquela variante escolar de choque tecnológico. E, no último fim de semana, azedou de vez o estadismo dinâmico de Sócrates nas inaugurações dos mais recentes projectos de parceria tecnológica. Na aquacultura de Mira, de que se ouviu falar? Da oposição da Quercus. Nas pilhas de hidrogénio de Montemor-o-Velho, o que ficamos a saber? Que o PCP organizou-se em manifestos para ensombrar o feliz evento, com a agravante de que, provavelmente por intervenção dos caciques socialistas locais, os agentes da GNR ordenaram a retirada dos cartazes. A cereja no topo aconteceu quando aos manifestantes, em transe revolucionário, lhes veio à memória uma frase batida: vinticincodabrile, sempre! Ei-los, os media, sempre a abrir e todos nós a ajudar, colaborantes (enfim, o Sócrates mais do que todos; eu diria até que, vistas bem as coisas, até o Avante! o tem poupado de mais embaraços). Deixo, portanto, aqui expresso o meu desejo de que o governo Sócrates se mantenha firme e magistral neste propósito de conseguir que, a cada novo cluster de inovação que inaugure, a cada primeira pedra que deposite ou a cada fitinha que corte, esteja presente um repórter, mesmo que novato, a relatar a violência da contestação popular, a oposição dos ambientalistas ou uma qualquer desastrosa derrapagem financeira. De preferência, até às próximas legislativas, em que o PS ganhará tangencialmente, para que todos nós, eleitores, possamos beneficiar de uma oposição parlamentar mais, digamos...motivada.
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