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19.10.07

O Roncas

O Roncas chega sempre à consulta antecedido da mulher. A Roncas.
A Roncas é vesga, deve ter menos cinco anos do que o Roncas, ou seja, dezasseis lustros e, ao fim de quase quinze anos de intimidade mensal, a Roncas já manda naquilo tudo. Vem sempre de saca, invade-me o consultório sem bater, ignora o doente que está a consultar-me (o que indigna sempre o visado) e dispara, sem uma pausa:
"- Ele vem a morrer, está muito mal, está a morrer, já nem respira, ande lá, mande este embora que não tem nada, eu vou já buscá-lo, está mesmo a morrer, olhe, trouxe-lhe isto para beber à noite, pegue lá, mas depois devolva-me a saca!"

Traz-me sempre conhaque, tem filhos emigrados.

Vou sempre espreitar o Roncas, antes de a expulsar do consultório e de berrar com ela. O Roncas, hoje, vinha como de costume: mal, arfante, confuso, protestante, às caralhadas. Um verdadeiro adepto do Glasgow Rangers com dispneia em hospital católico.

Quando o chamei, dez minutos depois, demorou dez segundos a entrar. Veio pelo pé dele, aparentando vida e, quando lhe disse "sente-se, senhor Roncas", disse logo "sente-se você, que ao pé desta puta não me sento eu".

Fiquei calado, a rabiscar uma data no processo. A de hoje. E ele prosseguiu. De pé.

"Estou a morrer, ando a morrer há mais de sessenta anos, e você não me dá com a cura. Era Deus livrar-me desta puta, esta puta é a minha doença! É ela e é a doença, duas putas, mas é mais ela, esta puta que aqui está!, mas esse remédio não me põe você nunca na receita!".

A vesga falou: "E tu, meu corno?, que és mau como as cobras, que deste um tiro no teu genro que está nos "cuidados istensibes" e que, em novo, tiveste uma amásia e lhe deste para cima de mil contos?".

O Roncas nem roncou. Nem se sentou.

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