Espasmos
O interno estava a estudar para deixar de ser interno quando lhe entrou pela vida daquela noite adentro o outro interno, que lhe trazia uma visita.- Tu és a...?
- Pois sou. Estás a estudar?
- Estou. Estou a ler sobre isto das doenças auto-imunes, já ouviste falar do Lup...
- Posso sentar-me aqui, na tua cama?
- Podes, desculpa estar de costas. Se quiseres café, está feito, no fogão. Aquece. O outro interno?
- Foi para o quarto dele. Posso?
- Senta-te, desculpa. Já acabo isto.
- Cheira aqui a fumo.
- Eu fumo muito. Abre a janela.
- Deixa estar.
Ainda o interno não tinha conseguido abstrair-se da presença dela, que mal a conhecia, já tinham passado alguns minutos. Passados os quais, poucos que foram, se escutava, vindo das costas do interno, um resfolegar grosso que pareceu, ao interno, a inevitável gosma do desejo. E, por lhe parecer assim, voltou-se para trás afável e sossegador, como se fosse encarar uma inevitabilidade que lhe competisse mitigar.
E competia.
Passados quinze minutos, o interno mais a asmática estavam na urgência do hospital grande, onde o interno tentou explicar ao colega de serviço o que se passara, sem sucesso, que ele só bradava, por entre ordens de aminofilinas, oxigénio e corticoides, que "só fazeis merda!, é só merda o que fazeis!".
E não era o caso.
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