Indecisões de génios
Um interno estava atrás da mesa da triagem, num hospital grande do Porto, eram quatro da manhã dum ano antigo.Nisto, entrou um génio que se dirigiu a ele, alteradíssimo do seu genial estado, de pistola preta em riste: queria consulta.
O interno avaliou as possibilidades de que dispunha para se furtar ao génio, mas o habitante da lamparina mágica não era ele, era o génio. E acrescia que a janela que lhe ficava pelas costas estava suficientemente trancada para possibilitar retiradas estratégicas. Ainda pensou em chamar a polícia, mas que pode a polícia contra um génio? Isto acrescendo ao facto de já ter o génio, calmamente, passado pela polícia. A pistola devia vir-lhe no bolso, à entrada; e revistar génios enervados não é como despedir muçulmanos nos aeroportos de Paris: é muito mais difícil.
Estar assim de frente para um génio cheio de nervos e de costas para uma parede é pior que estar na barreira quando o Roberto Carlos vai marcar um livre. Não basta colocar as mãos nas partes. Mas tem de se fazer, se nos marcam um livre contra.
O génio interrompeu o silêncio que o interno ainda nem notara para o interpelar: "És médico?". Ao interno apeteceu-lhe retorquir que não, que era um fantasma de passagem, mas resistiu e disse-lhe "que sim, que era".
O génio derramou-se numa cadeira que parecia estar ali à sua espera e desapertou as calças, expondo um pénis pouco genial: escorria coisas verdes pela ponta e estava inchado. O interno, convém explicar, desconhecia os updates sobre "enlarge your penis" que agora percorrem o quotidiano de qualquer "wikipedia do spam", de maneira que lhe pareceu, aquilo, um esquentamento. Mas calou-se. O interno sabia que aquilo se apanha em certos sítios e tinha aprendido, já, que os génios nem sempre gostam de falar dos sítios em que apanham certas coisas.
"Isto está assim, está esta merda que tu vês, pá!".
E estava. De facto, estava uma merda impressionante e o interno, que ainda era impressionável, via-a.
"De maneira que estou na dúvida" - continuou o génio - : "Estou na dúvida se te dou um tiro nos cornos ou se despejo as balas todas nesta merda!".
"Despeja nessa merda, despeja nessa merda, despeja nessa merda...", pensou o interno com o pensamento que podia. Mas não verbalizou o pensamento. Em lugar disso, levantou-se e aproximou-se do génio. E disse -lhe, com a calma que não tinha encharcando-lhe a camisa, "vamos lá ver isso, então".
E pronto. Um esquentamento trata-se, se tiver sido apanhado com a mulher também se trata, é na mesma, mas ambos os problemas eram do génio, só a pistola era problema do interno. Até o génio sair com a receita, passando outra vez pela polícia, que estava ali a ver se nascia o dia, como toda a gente que gostava que não houvesse nem merdas nem problemas.
Os génios são isso mesmo e mais ainda. Os internos são ainda menos do que isso.
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