blog caliente.

30.10.06

É como as cerejas, mas a compota nem por isso...

Do debate desta noite, que começou a entediar-me logo que Zita Seabra abriu a boca (aliás, acho que foi antes disso), só assisti à primeira parte.

Para quem não viu, foi mais ou menos isto:

1 - Dum lado estavam os sins, do outro os nãos, excepto - pelos vistos - o bastonário da Ordem dos Médicos (que estava noutro sítio qualquer e não pôs lá os pés) e a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que se sentou do lado do não e, conforme explicou depois, só estava daquele lado porque a sentaram ali.

2 - O Dr. Gentil Martins, a dada altura, interveio para - fundamentalmente - mostrar o seu diploma de curso. E lembrar Hipócrates, o que é sempre bom quando dá jeito e sempre mau quando não dá: duvido que se possa puxar assim de Hipócrates constantemente, neste mundo pouco exemplar (eu ia dizer "neste mundo pouco exemplar da saúde", mas depois achei melhor que ficasse só assim).

3 - Antes disso, Zita Seabra disse que era contra o aborto, um médico que estava ao lado dela disse que também, depois Edite Estrela afirmou "que sim, também" e o médico que estava ao lado dela admitiu "também que sim".

4 - Falou, também, uma outra senhora que estava muito emocionada e que disse que era contra o aborto e que ia votar "não"; e, em contraponto, uma outra jovem que também disse que era contra o aborto mas que ia votar "sim".

5 - Pelo meio, ficaram fartos aplausos de ambos os lados da plateia, embora não ficasse claro - da parte de nenhuma das metades da assistência - porque é que, do que se disse, aplaudiam uma coisa e não a outra. Cuido que a isto se chama "aplaudir como na bola". E acho bem, se for na bola.

6 - Uma pessoa que vá votar "sim", por exemplo, fica um bocadinho desgostosa por ver a Fernanda Lapa do lado do sim, porque ela é como a irmã, nenhuma delas tem culpa, mas ambas possuem aquele aspecto desmobilizador seja do que for que, realmente, constrange.

7 - Por outro lado, qualquer ser humano que vá votar "não", há-de sentir um desconforto miudinho de cada vez que escuta a voz estrídula de Zita Seabra a ziguezaguear pelos conceitos como se fizesse esqui, sempre a descer de si, e ao ver alguns trissómicos na assistência (que foram lá fazer? quem os levou?, nenhum falou, eram cartazes vivos de que causa triste?).

8 - Da primeira parte do debate, retiro isto:

a) - Toda a gente está contra o aborto, o detesta, o abomina.

b) - Se era isso que era para discutir, o consenso parece ser maior do que nas eleições do Luís Filipe Vieira e do Vale e Azevedo, no Benfica: nem sequer valia a pena debater.

c) - Mais do que estar contra o aborto, a questão resumiu-se, ali (embora tenha havido quem se atrevesse a querer debater o que se quer, de facto, referendar), a ver quem estava mais contra ele.

d) - Continua por se perceber que raio têm os médicos que estar ali, obrigados a meterem os pés pelas mãos quando lhes perguntam sobre conflitos entre a ética e a lei. Como se esta fosse a primeira vez que esse conflito se lhes deparou, mais a Hipócrates, há 2500 anos, quando os médicos eram ainda servos, e como se a ética fosse uma coisa fora do tempo. Eu nunca estaria ali. Mas também não me convidaram (ou foi a minha mãe que me sonegou correspondência).

e) - Há uma ligeira (para usar esta palavra, que ainda não utilizei hoje) contradição entre a posição de Zita Seabra (que, neste momento, estou a ouvir ao longe e está completamente desvairada com uma coisa qualquer), que se fartou de falar da "pílula do dia seguinte" como exemplo de uma alternativa ao aborto - a palavra alternativa é, aqui, de facto, um bocadinho alternativa, sobretudo na boca da ziguezagueante deputada - e a posição da maior parte dos outros apoiantes do "não", que parece que consideram que a vida começa logo após a fecundação, leia-se "concepção. Ela, em coisas do aborto, se for logo a seguir, mesmo logo a seguir à queca, vá lá, 24-48 horas, já não se chateia tanto. É adepta da teoria da nidificação, ou então nem isso.

f) - Seja o que for que saia deste debate (e, mesmo, do referendo), parece que vamos continuar a ter uma originalidade legal interessantíssima: parece que tudo se prepara para que uma coisa venha na lei descrita como crime, mas ao qual não corresponderá penalização legal. Claro que não me atrevo sequer a introduzir o tema da penalização moral, social, etc: é mesmo só na lei. Há-de haver outro referendo sobre esta matéria logo que este acabe, mas poupava-se tempo se se tratasse disto com maior presteza.

g) - Os que pensam "sim" têm de se libertar, para se tornarem mais desenvoltos nos debates, definitivamente, do anátema de terem de estar permanentemente a provar as suas boas intenções. Os "nãos" ainda conseguem penalizar, com as suas lágrimas no canto do olho, quem não se emociona com a Floribella e com a Manuela Moura Guedes a cantar.

h) - Os que pensam "não", beneficiariam em expurgar das suas fileiras as equivalentes fenotípicas da Fernanda Lapa, que são aquelas senhoras igualmente infelizes do ponto de vista morfo-funcional que levantam a peida da assembleia, resolutas, para expressarem o que lhes vai na alma sobre a virtude e a forte emoção de serem mães, como se falassem duma cátedra quase virginal, a esse respeito, com as outras mulheres: as pecadoras. Também não ajuda muito ao debate, embora arranque fortes aplausos de quem se sente parte exclusiva daquela sentida santidade.

Não tenho pachorra para ver mais.

Nota: Não vi mais, mas fui escutando ao longe. Enganei-me, afinal. Acabaram por colocar uma senhora de 30 anos que tem fenótipo trissómico a falar, para dizer que sofre mas é feliz, o que não aconteceria - cuido que nenhuma das coisas - se não estivesse viva e, sobretudo, como se ela própria tivesse tido de fazer alguma escolha. São cartazes, cada um tem os seus. A seguir, deram a palavra aos jovens. Estavam exaltados (mais elas) e acrescentaram ao debate o colorido de "bora Portugal" que se exige a um grupo de "cheerleaders", embora não se tenha percebido se traziam cuecas, porque a RTP é o que é e não filma bem.

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