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21.11.05

Dos rumos

"... e fizeram bem a curva, alinhados, cordeiros de Deus, aquela curva fechada e cega, uma vez chegados àquele cruzamento largo que cuidaram ser o fim do caminho, porque lhes tinham dito que era o fim do caminho e, portanto, era, mas tinham-nos tapado, aos outros, e eles sabiam que sim, que talvez estivessem lá, mas tinham-nos escondido, com medos de sangue e de cansaços, e já não percebiam de caminhos, nem queriam saber de mais nada que não fosse parar e voltar para trás, e por isso o cruzamento era, para todos os efeitos, um beco sem saída, e eles recuaram, curvaram-se e curvaram os passos pequeninos. Curva fechada, olhos fechados, fincados no chão, não fossem reconhecer, ao longe, o lugar de onde tinham vindo, dobrando a suspeita do logro, duas vezes pouca coisa.
Fizeram-na ordeiramente, à curva fechada do retorno, da retoma, derrapando pouco, que era, afinal, vendo bem e porque lhes disseram que o era, uma rotunda, em lugar de se agarrarem à estrada com a força das pernas e dos braços, de pegarem na catana e continuarem a desbravar o mato e a abrir outros caminhos, os que estavam escondidos por detrás dos tapumes com anúncios a telemóveis e a créditos pessoais, outros caminhos quaiquer que não soassem, no fragor cobarde dos passinhos tímidos, a debandada organizada. Às arrecuas, sempre, como sempre, em frente, aceitaram que lhes tirassem coisas, porque estavam formatados para se sentirem culpados, mesmo, de estarem vivos, quanto mais das poucas coisas que tinham, porque pensavam que lhas tinham dado e que não as mereciam, porque foi assim que lhes foram ensinando.
E quando o décimo terceiro e o décimo quarto mês lhes foram sonegados, entenderam perfeitamente, que estava muito bem, porque lhes tinham dito, certeiramente, que só trabalhavam doze meses. E quando lhes meteram pelos olhos dentro que só trabalhavam onze meses, afinal, que um era de férias, calaram-se, que sim, e só quiseram onze meses de salário. E quando lhes propuseram que trabalhassem por sete contos, para que as fábricas da Toyota e da Volkswagen, e outras assim grandes, não se instalassem na China ou no Paquistão, onde povos evoluídos de países que vão para a frente trabalham por esse justo salário, disseram que sim, também. Que queriam muito ir para a frente, também. E viveram com sete contos vezes onze, os setenta e sete contos de pré-história a que tinham direito, a fabricarem coisas que não podiam comprar, nem possuir, como dantes, mas felizes porque alguém as teria por eles, como dantes, dando-lhes sete contos, como dantes. E foram indo, sempre em frente, para trás, andando sempre, muito competitivos na desgraça, muito modernos, como sempre."

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