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19.11.05

A limpeza

Tem sido difícil, quer aos aparelhos partidários, quer à comunicação social disfarçar o incómodo que lhes causa a candidatura de Manuel Alegre. Quando Salgado Zenha meteu pés ao caminho e apresentou-se sozinho a votos ainda a nação não estava profusamente armadilhada com o caciquismo de aparelho que, até hoje, controla e manipula as intenções de voto, de forma tão devastadora que só aquela franja de eleitores que oscila entre "pode ser um pastel de nata" e "não me apetece nada que estou com azia" constitui a incógnita dos sufrágios, já que tudo o resto é mera contagem de espingardas. Na época, ainda as eleições eram imprevisíveis, ou podiam ser mesmo que não o fossem.

Há, de facto, o eleitor caninamente fiel, que aguarda ordeiramente instruções do seu partido sobre qual deve ser o sentido de voto, que depois executa, em estrito cumprimento do dever. Quer fazendo campanha - quero dizer, promovendo o debate político-ideológico com gritos como "Sócras!!", "Soares é fixe" ou "Cavaco Silva é um homem sério" - quer exercendo o dever cívico da obediência cega ao partido, que nunca lhe deu nada mas também nunca lhe tirou (porque isso só os da oposição do seu partido fizeram), ao sufragar na escolha heterodeterminada.

Era a estes eleitores que Joana Amaral Dias, alarmada com os riscos que corre o seu mandante, se dirigia naquela crónica que escreveu no Diário de Notícias. Afinal, estava tudo preparado para que a eleição do PR fosse mais uma ponderação da força relativa dos partidos do regime, ainda que contasse, como costuma acontecer, com uns outsiders sedentos de notoriedade, cuja expressividade eleitoral não cabe no cérebro de uma galinha (que é, como se sabe, pouco maior do que um T-1 na Porcalhota).

O que sucedeu, porém, foi que a candidatura de Manuel Alegre veio colocar à transparência os tumores da partidocracia infiltrada. Só não vê quem não quer, de tão óbvio. Teria Cavaco Silva tantas intenções de voto como rezam as sondagens se não contasse com o fervor do PSD? Descia para menos de metade, digo eu. Soares, sozinho, sem o PS a ampará-lo, seria mais do que provavelmente posto de parte, por obsolescência. Não interessa se isso seria o correcto, o certo é que seria assim.

É provável que Manuel Alegre não venha a ser o próximo presidente da República, mas eu gostaria, pelo menos, que o apoio - crescente - que vem reunindo seja sintoma, ainda que embrionário, da massa crítica que nos falta. Nas bases. Nas massas. No Pobão, que a Rititi diz odiar. O elixir da civilização, que nunca tivémos e no que, pobres de nós, somos parecidos com os americanos.
Ninguém precisaria, então, do Vasco Pulido Valente ou do Pacheco Pereira. Bastar-nos-íamos com o Luís Delgado, para os momentos de descontracção.

Isto hoje vai sem links. As minhas desculpas.

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