O problema da falta de capacete
Posso estar enganado, mas acho que Luís Delgado começa as suas crónicas pelos títulos. Escolhe um e, depois de o escolher, escreve seja o que for por baixo, mesmo que não tenha nada a ver com o título que escolheu.Desta vez saiu-lhe "O nosso Katrina". E pensamos: pronto, vamos lá ler, ele diz que temos cá um furacão, que ele está a ver de lá. E vai descrevê-lo, dissecá-lo, explicar a metáfora. E lemos, ávidos.
Podemos ler por partes, claro.
1 - "Abertura" (ou, então, "outra coisa qualquer")
Começa por informar que ocorreu uma reentrada (ele foge, aqui, a dizer "rentrée, mas não evita o francesismo, que está lá todo, mais lhe valia não pensar muito nestas coisas, de facto, ou escrever "regresso", por exemplo) do PS e do PSD nas lides e que, descobriu ele sozinho, isto ocorre a um mês das eleições autárquicas. No mesmo parágrafo, postula que "os socialistas não devem, de todo, obter um resultado satisfatório nas principais câmaras do país" e fica-se por esta crença. Não se percebe a relação entre o tempo da "reentrada" e o postulado, mas não admira: espíritos superiores, não poucas vezes nos deixam assim, baralhadotes.
2 - "Continuação tímida" (ou, então, "o vento já bufa...")
No segundo parágrafo, é como se dissesse isto: Manuel continua mal e a grande incógnita em relação a Alfredo é saber o resultado de Maria. Ou seja, Delgado admite esperar pelo resultado eleitoral para, já abastecido, fazer previsões. Sem elas, não se aventura. Concordo. É prudente.
No terceiro parágrafo (dele, eu prefiro manter-me, para já, no item 2) faz uma rápida incursão pelos fantasmas de Sócrates, declara que o primeiro ministro não liga pevas às eleições autárquicas (presume-se que por prever um mau resultado, ou então por outra coisa qualquer) e, convictamente, adianta que 2006 vai ser, talvez, o ano mais difícil da governação socialista. Ou seja, se vier a não ser, está certo na mesma. Que massa encefálica esta! Que habilidosa!
3 - Desenvolvimento (ou, então, "olhem que vem mesmo aí!!!")
Desata a falar da crise, do colapso da economia, dos seus factores. E quem, descuidadamente, esperasse que Luís Delgado não descrevesse nem mesmo um factor, levou logo com dois: há os internos e os externos. Explicou ele. E mais: "tudo o que for dito, previsto ou anunciado não passará de uma irrealidade total".
Eu acho, sinceramente, que não era preciso uma autocrítica tão desagradável. Mas percebe-se, porque ele tem de chegar ao Katrina, que pôs no título, e a coisa está a sair-lhe mal. Por esta altura da prosa, o mar já devia começar a ficar alteroso, uma vez que está quase aí (ele bem queria que lhe saísse da pena, Deus!) o nosso Katrina. Ele vê-o, ele sente-o, mas, desgraçadamente, não consegue "soprá-lo" para a folha, permitir que outros o vejam também e, vendo-o, se salvem todos, os outros e ele!
4 - Fuga rápida (ou, então, "olhem que isto ainda vai ficar mais bravio!!!")
É um pequeno aviso à navegação: disse que vem aí oposição. Não disse mais nada, suponho que não se referirá a Cavaco, não diz a quem se refere, isto deve ser, pois, um oráculo: viu isto nas tripas de algum peixe. Olhem, nas minhas não, era o que me faltava.
E a brisa vai cálida...
5 - O fracasso da obra (ou, então, "merda para o título")
Chegados aqui, estranhamos ainda não ter pressentido mais borrasca, mais iminência de morte, essas coisas que costumam acompanhar o percurso - mesmo a chegada - dum furacão. Caramba, apetece dizer que "nem uma folha bulia na quieta melancolia...".
É aqui que se verifica que, afinal, era um falso alarme. Ainda bem.
Delgado afirma, já pacificamente, ter (ele e o resto das pessoas todas, pelo menos as que ele conhece mais) muita curiosidade em saber se Cavaco terá vantagem por avançar mais tarde, se ganhará na primeira volta e, dogmático, expressa já ser tempo de Portugal ter um Presidente da República não socialista.
Bom, a ver então:
a) Caso avance, será sempre mais tarde. É que já não dá para avançar mais cedo. A desvantagem do "tempo político", essa, já a conseguiu. Pode ser que consiga, com esta sua perpétua "demora reflexiva", ainda outra: a de acharmos, quase todos,que não sabe o que há-de fazer e hesita por esse motivo.
b) Quanto às dúvidas sobre se ele ganhará na primeira volta, caramba: se Delgado admite que tem dúvidas sobre uma vitória de Cavaco na primeira volta, apetece perguntar-lhe se também as tem sobre o que acontecerá ao Professor, no caso de haver segunda volta. Vai ganhar, é, meu Deus? E como?
Não, o que Delgado tem não são dúvidas: são esperanças.
c) Um presidente não socialista? Acho difícil uma vitória de Jerónimo de Sousa, mas vamos a isso. Quer mesmo? À primeira ou à segunda volta?
E o nosso Katrina era, afinal, isto.
Palavra que não é por mal, eu acho-lhe graça, pronto.
Nota: eu ponho os títulos no fim mas, como se vê, também não adianta grande coisa.
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