blog caliente.

30.8.05

Foi Athelny, o pequeno barroco, que lhe deu a mão.

Boa viagem de regresso, lolita.

Por aqui, vai um dos últimos calores dentro do seu tempo. Como por aí há-de ir.
Ambos sabemos como é: entrando Setembro, mais dia menos dia, há-de vir a primeira chuva, o primeiro agasalho. Teremos alguns dias pintados de ocres gastos e de castanhos avermelhados, há-de vir essa calidez passageira que serve de repouso aos corpos, que ainda se fatigarão, antes, na vindima. O chão há-de cheirar a terra molhada, um bocadinho ainda, antes de se encharcar demais e perder o aroma subtil dos novos borrifos. Num esforço de memória, havemos de lembrar-nos de quando ainda havia Outono e, se ele durar mais do que o costume, acabaremos por acreditar que se pode voltar atrás sem pagar nada. Durará pouco, isto. E pagaremos: sem aviso, vai ficar tudo cinzento e preto cedo demais, outra vez.

Vi futebol no fim-de-semana, fiz anos (como sabes, que até me pediste a bênção, e eu dei-ta; aguardo a tua prenda, quero que se foda quem diz "presente", presente é hoje, tu dás-me a prenda um dia destes, no futuro), mas nada disto me pareceu coisa que fosse diferente doutros dias, doutros anos.

Sabes o que tenho feito? Trabalhar, esperar, observar e pensar. Podes por um "-me" a seguir a cada verbo, sim.
Nos hospitais, agora, redescobriram a pólvora do desfasamento de horários. Desde há anos que é assim, esta recorrente converseta sobre a pólvora antiga, cada vez mais seca, da gestão do tempo. Tens um serviço com dez médicos e redescobres, outra vez de repente, que um serviço não passa dum atendimento permanente de gosmas crónicas. Pode deixar, portanto, de ser um serviço, uma vez que se mobiliza para fora da sua essência. Sabes do que falo, até pelo que viste quando foi de quem sabes, onde sabes: estava sempre gente mas nunca estava ninguém, não era?
Isto já vem sendo feito, de forma clara, há muitos anos, sobretudo pela imposição "sugadora" e persistente dos serviços de urgência, cada vez mais megalómanos e mais destituídos de quadros próprios, com que se sustentem.
Eu não sou capaz de lá voltar, sabes? Não tenho coração de ganadeiro, nem de apascentador de frangos. Se tiver de ser, espero não ter de quebrar meia dúzia de bocas para não ser eu a quebrar.
"O que é preciso é que esteja lá alguém para despachar o povo, mesmo que se esteja lá muito tempo, tempo demais, médicos de menos e povo demais, mesmo que não queira lá estar ninguém, nem médicos nem povo, porque aquilo é a sala de visitas do hospital". Sentes a lama destas palavras? Há uma geração rasca que aí anda, enfeitada de si, a dizer estas coisas desde que cismou ser deus maior duma religião feita de dogmas, só. E espalhou-se, metastizou, criou os seus amestrados monstrinhos, que lhes repetem as palavras com sotaque variável.
Não é nada disso: a sala de visitas dum hospital é a cara e são as mãos de quem lá trabalha, se estiver feliz de lá estar a "fazer o que tem a fazer". O resto é teoria de quem tem média de dez na vida: tudo ao molho, frases feitas numa língua saburrosa, a malícia enfática dos simplórios.

Percebes que os serviços acabarão, não percebes? Nao há serviço que resista ao "nunca estamos juntos porque trabalhamos separados". Mas não te preocupes, isto já pode estar a ser feito há muito tempo, como sabes. Isto já foi, se calhar, parcialmente conseguido, em alguns lugares. Dividir para reinar, quando feito por tipos talhados para "vice-reis na sombra" (no balls, no match), acaba sempre numa divisão sem reino: quando chega a hora de dizer "sim, quero o reino que dividi!", encolhem-se, negam a culpa, não sabiam de nada e, atirando outra pedra, escondem outra vez a mão. E recomeçam. sem notória vergonha.

E há mais coisas, que depois te conto. No fundo, sabes, nem sequer é novidade.

Da bola não te falo. Não gostas.

Falo-te duma boa série, acabei de decorar o nome, "A educação de Max qualquer coisa". O ambiente não é, uma vez mais, de descoberta: é de redescoberta. Nenhum dos personagens tem a minha idade, aparentemente. Nem a tua, isso muito menos, excepto a professora "não sei o quê", fanática de Elvis e de ser feliz, e uma outra que só vi hoje, loira, de ginástica e artes orientais. Os homens têm mais de cinquenta anos. Antecipam-se-me. Antecipam-me. Gosto disso, é como se estivesse a ver e descobrisse que ainda tenho muito tempo. E, depois, há os filhos, que andam entre os 9 e os 17 anos, passando pelos 12, pelos 15. Aquilo é ternurento, a cor é bela, há ali ternura, e toda a gente parece um bocadinho fora do tempo. Precisamente porque o tempo faz, ali, sentido. Vais gostar. É, precisamente, fora do tempo que se está melhor a olhar para ele.

Também tenho visto, às quartas feiras, o ER. Tu sabes o que penso de ambas as coisas: do ER e do que me leva a vê-lo. O novo sonho americano, provavelmente adiado para sempre, deveria ser este: descobrir que as coisas são simples ou difíceis, espectaculares é só nas festas.
Repara que eu não defendo a insipidez. Tu sabes que gosto, o meu bocadinho, de purpurina. Concedo-te estas ilhargas cansadas ao esporeio.

Mas, talvez da seca, dá-me agora para estar cada vez mais certo que é de águas claras que gosto. Podem as águas estar revoltas e engolidoras, ou numa calmaria de espelho: não sou mais medroso que ninguém, nem mais bravo que quem quer que seja, defenderei sempre o meu barco e, se tiver que ir com ele, a pique, irei. Está bem, irei nem que seja esmifrado pela torpe inércia de saltar, de não conseguir fugir. Mas eu falava de águas. E é claras, cada vez mais claras, que as quero.
Não se trata aqui de dissertar sobre graus de agitação, entendes isto?, é de gostar de meios transparentes.
Como o cristalino, sabias? É o meio transparente onde nascem as cataratas. É gelatinoso mas é sempre a água, sempre o antagonismo entre as palavras e o tempo que passa, tapa, esconde, mina. Se não houver cautela e boa hidratação. E sorte.

Depois, no fim-de-semana, falamos das eleições, da OTA, do Cavaco e do Soares, espero que do Alegre (devia candidatar-se, nem que fosse só para se ouvir aquele ruído de cremalheira de meninges a espremerem-se para explicar que faz mal, como se fosse isso que estivesse em questão, fazer bem ou mal. Um homem faz o que tem a fazer, não é? E o que não tem, se for obrigado a isso por quem faz sempre o mesmo.

Das coisas do hospital, das do meu, em vez daquelas generalidades que abordei ali em cima, vai ter de ser mais a sério. Talvez seja tempo de desparasitar, sabes? A vérmina anda escondida, mas eu acho que sei dela. Por falar nisso, escutei ontem o Marcelo, hoje o Vitorino. Amanhã não sei.

Volta bem, Deus te proteja, guia com cuidado. Eu continuarei sem cuidado nenhum, como já sabes. Reli Maugham. A vida não tem sentido, portanto calma.

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