blog caliente.

8.9.04

Também a sério, mas passa já

Não acredito que o alonso creia, verdadeiramente, no que afirmou ali abaixo. Ser católico não é, de forma nenhuma, mais motivador de chacota que ser doutra religião qualquer. Nem mais nem menos, aliás: a chacota não me parece ser o melhor enquadramento para qualquer fé.

Também não associo nenhuma fé a qualquer das "características", isolada ou entrecruzadamente apresentadas, que o alonso cita: a imbecilidade, o pedantismo, a estupidez, a incultura e a hipocrisia não podem ser, nunca, apontadas como apanágio de quem quer que seja que afirme qualquer fé, embora possam ocorrer, isoladas ou empacotadas de forma variável, em qualquer indivíduo que afirme ter fé: só que não será, seguramente, por isso.

O que resulta difícil é tentar discutir temas como a interrupção voluntária da gravidez (o aborto, pronto) colocando como premissa base para começo de conversa a convicção religiosa. Que discussão pode brotar daqui senão a discussão da convicção religiosa, ela própria? Convicção essa que é um apriorismo legítimo mas, apesar de tudo, um apriorismo, note-se. Nenhuma, pelo menos proveitosa, porque eu, pelo menos, não sei discutir a fé. Posso discutir os seus mistérios, os seus dogmas, os seus ministros e as suas políticas, gostar ou não deles e delas, mas não é possível discutir a fé com um crente: seria discutir as convicções que lhe resultam da sua fé, ambas respeitáveis - fé e inerências decorrentes - na sua subjectiva coerência.

Por outro lado, a abordagem científica, embriológica, biológica, bioqímica, o que quiserem, resulta, também redutora e incompleta. Pode definir-se com quantas semanas começa a vida? Pode, de forma variável, de acordo com aquilo que cada cientista, que cada homem, que cada mulher, pensa que a vida é. Entra-se, então, numa vasta e estéril discussão sobre mórulas, sobre contagem de semanas, sobre conceitos e preconceitos (que os cientistas também esgrimem com desfaçatez) e, depois de aturada análise, estamos no ponto de partida, a menos que fiquemos satisfeitos por ter criado mais um dogma. Neste caso, depois de muitas contas.

Ainda por cima, ambas as abordagens (pela fé, pela ciência) são inconciliáveis. Quase que esbarram uma na outra, sendo pouco provável que, da sua conjugação, resulte luz. Como pode um cientista falar da mórula a um crente sem este esboçar algum nojo e arriscar-se a vomitar-lhe em cima? Como pode um homem de fé apresentar a sua teoria apriorística a um tipo que manipula células sem se arriscar a levar com um microscópio na pinha?

Bom, e nem me atrevo a expressar, como calculam, o que penso da abordagem puramente filosófica da questão: parece-me, para ser económico com a adjectivação, perfeitamente estéril. Ou seja, a questão da IVG nem se coloca, bem vistas as coisas.

O ponto de vista jurídico ultrapassa-me: mas parece-me útil, fundamentalmente, para regulamentação e, perante estabelecimento desta, para as costumadas e variáveis interpretações. Ou seja, não me parece que daí nos venha, também, particular iluminação.

É por isso que eu prefiro pensar no tema, fundamentalmente (senão quase exclusivamente) pelo seu prisma social e humanitário. É o único que pode discutir-se com proveito. Senão vejamos: identifica-se um problema, sabe-se que ele existe, tenhamos santa paciência: há-de haver melhor solução para ele do que discuti-lo ad eternum, enrodilhando-nos nele cada vez mais, numa tentativa, que há-de sempre ultrapassar-nos, de o discutir todo. Embora me pareça que discuti-lo assim, transformá-lo numa espécie de pescadinha de rabo na boca, é, talvez, mais cómodo. E que, por via das indisposições e das desconfianças que este tipo de "bate-papos" vai gerando - veja-se a facilidade com que, mesmo a nível politico-partidário, se extremam posições -, se constitui na melhor maneira de nada resolver.

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