O desfile
Pude hoje assistir, no telejornal da RTP1, à "campanha eleitoral" dos três candidatos a secretário-geral do PS.Manuel Alegre discursou no CCB, com Manuel Carrilho, perdão, Manuel Maria Carrilho ao lado e Bárbara (a esposa de Manuel, claro) em frente, na primeira fila. Penteado impecável, pose estudada de poeta outsider da política, crente na política lírica, enfim: o último dos românticos. Reconhece-se-lhe o percurso coerente e o discurso igual, hoje, ao que era há trinta anos atrás. Mas isso é reconhecer muito pouco, porque até hoje nada se viu a mais do que aquele ensaiado perfil de crítico do aparelho, de esquerdista militante que crê, sim, mas que nada executa. Uma espécie de caviar vermelho do género bloquista, embora com mais património histórico e portanto mais respeitável. Defende ideais justos, porém utópicos. Comparável, curiosamente, a Saramago no culto da postura épica, altiva e egocêntrica de quem afirma o que quer e a quem quer com pedante frontalidade, com as duas únicas diferenças de ser mais bem parecido (e de fazer por isso, de fazer por parecer o tal "poeta romântico") e de estar muito mais comprometido com o tal "aparelho" que lhe dá o ganha-pão parlamentar. Fala de Sócrates com condescendência, o que se compreende, e de João Soares com indiferença, o que é natural. E mesmo que não fosse nem compreensível nem natural em nenhum dos casos, Manuel Alegre falaria, ainda assim, da mesmíssima forma dos dois adversários.
João Soares esteve em Aveiro, onde, catarticamente, confessou ter contas a ajustar com Santana Lopes e se esforçou por demonstrar a insólita e pateta tese de que não só os lisboetas mas todos os portugueses foram defraudados pelo incumprimento das promessas eleitorais de Santana quanto à cidade de Lisboa. Ora eu, por mim, estou bastante mais preocupada com a cidade do Porto e aposto que os Bracarenses estarão mais preocupados com a cidade de Braga e os Scalabitanos com a de Santarém. O problema de João Soares é que, do ponto de vista dos imprescindíveis carisma e/ou poder de sedução é o exacto inverso dos outros dois candidatos: não perde aquele olhar bovino que sempre o condenará à mais certa derrota plebescitária. Quando sorri, o sorriso não se vê no olhar, o que quase sempre é mau sinal. Tem muito de Mário Soares (a voz, sobretudo, cujos trejeitos herdou do pai) mas, lamentavelmente para ele, nada do que este tem de bom. Falta-lhe astúcia, serenidade, percepção da estratégia, sentido de oportunidade. Vai com muita sede ao pote e denuncia-se.
Em Vila Real, José Sócrates lançou achas mornas e facilitistas sobre os concursos dos professores e sobre a suspensão do Programa Polis. No contexto actual da cultura globalizada do físico, Sócrates tem a telegenia e o charme necessários para roubar eleitorado histérico (de entre as frescas urbanas e os metrosexuais lisboetas) a Santana Lopes. Sobretudo quando está calado. Pensando melhor, se observado em fotos em que a expressão é previamente preparada. No debate político - quero dizer, quando fala - Sócrates é franzino, pouco emotivo, pastoso. A sua ambição, porém, é proporcional à sua inconsistência intelectual. Tudo somado, não admira, portanto, que seja altamente provável que venha a tornar-se o próximo secretário-geral do PS e o futuro primeiro ministro. Pelas mesmas exactas razões que tornam altamente provável que Santana Lopes também ganhe as próximas legislativas.
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