Reciclar o medo
A barbárie incomoda-nos, mas aquilo que mais nos incomoda na barbárie não é, sequer, a barbárie. Sempre houve barbárie. É o conhecimento concreto dela, um conhecimento imediatamente visionado, discutido, dissecado, que nos faz senti-la mais próxima, quase à flor da pele.Isto é um lugar comum? Pois é, toda a gente diz isto, duma maneira ou doutra. Que é a barbárie se não o mais comum (e mais grotescamente permanente) dos denominadores comuns do nosso ancestral desentendimento?
A barbárie maior, nesta moda ignóbil de fazer reféns, nem sequer é matar os reféns, mesmo que seja a tentar salvá-los ou a fingir que se tenta salvá-los: é mesmo fazê-los. Não está certo fazer reféns, ninguém nasceu para ser feito refém de causa nenhuma, por coisa nenhuma. E, contudo, sempre se fizeram, sempre os foi havendo.
Como se lida com isto? Como sempre se lidou: muito mal, com uma mistura de receio, demissão, aproveitamento, repúdio, perdão, vingança, desconforto. Um perpétuo e reciclável desconforto.
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