A saga (6 ou 7, já não me lembro)
Um besugo não tende mais que qualquer outro peixe a morder o isco. Um besugo sabe, porque os besugos possuem alguma sabedoria, que pode acabar por resultar esplêndido e esquartejado em qualquer sopa de peixe. Um besugo médio, portanto, tende (ainda assim, apenas tanto como qualquer outro peixe) a ter cautelas.Ora, isto do aborto é uma discussão tendencialmente desonesta, porque as discussões feitas de pragmatismos tendem a não ser lúcidas e abrangentes. Por exemplo, se discutirmos a valia de Manoel de Oliveira como cineasta, não precisamos de ter qualquer cuidado: todos nós sabemos que o vetusto e vitalício ganhador de todos os prémios de carreira da indústria cinematográfica é um perfeito e respeitável gozão que, à noite, enquanto enfia a placa dentária no copo de "Corega-Tabs", se questiona sobre "que caraças! estes cromos continuam a dar-me prémios, lá tenho eu de continuar a fazer filmes, que seca, por que raio transformaram a minha vida nesta perpétua competição entre a minha inabilidade estatico-cinematográfica e a minha jeiteira para impressionar incautos?!...". E lá se deita, a pensar na próxima película (e no próximo plano demorado sobre uma expressão duma sopeira qualquer), que há-de levá-lo, Deus o guarde, aos 117 anos, a fazer uma fotografia em sépia desbotada, que há-de ser comparticipada nos custos de revelação pelo IPC e dar um filme de 14 horas. Se é que ainda há IPC, o que duvido. É que não há praticamente IP nenhum de jeito, veja-se o IP4 e o IP5, quanto mais o IPC (leia-se "ide para o caralho"- desculpem a variante peniana- e, além disso, para quando o IP3 completo, que é para ver se eu demoro menos de meia-hora a fazer 25 quilómetros?).
Bom, o que eu quero dizer é que afirmar seja o que for (até isto que eu disse) sobre o antigo piloto de carros de corrida, que ainda se dedica às longuíssimas e entediantes metragens que lhe dão na gana, não é pragmatismo: é lucidez. Aliás, tanta explicação é dispicienda: fui eu que disse!
Isto do aborto é mais complexo. Eu já abortei downloads, por causa dos cookies. E abortei festejos de imbecis, também. Um imbecil, quando festeja, é ridículo: não sabe o que festeja, ignora por que festeja e, vez por outra, tende a expressar imbecilidades em inglês arcaico.
Mas, sem qualquer espécie de dúvida (então, amigos, eu conheço a senhora doutora!), não é disto que a Lolita fala: ela, que é jurista, que é esperta, que despreza arcaismos artolas, que é minha amiga (esta última particularidade da Lolita é a mais marcante no meu desprovido encéfalo), quer discutir o aborto propriamente dito. E já disse o que pensa disso, embora ressalve (não vá a discussão sair-lhe mal) que pensa "isto, entre outras coisas".
Ora bem, basicamente (eu disse "basicamente", ou seja, "duma forma genérica", básico posso ser mas não me entrego sem estrebuchar, como qualquer trivial besugo!) eu concordo com ela. O que me preocupa. Concordar, ainda que basicamente, com ela... enfim, preocupa-me sempre. E vai fazer-me pensar mais um bocadinho, ter as minhas cautelas, entrar assim de fininho, até porque ela acha o Manoel de Oliveira um cineasta de talento e eu vejo o insuperável criador de "Anda aqui bobó" como um fotógrafo antigo que não consegue, ainda agora, mesmo depois de tantos anos, manter a Rolleyflex sossegada num sítio: os filmes dele, admito, parecem-me fotografias tremidas, pronto; mesmo assim, menos tremidas que as tiradas por qualquer epiléptico munido duma Canon com zoom. E mais: João César Monteiro estava a pontos de conquistar lugar imediato nesse pódium bacoco dos gozões da malta quando a morte o afastou de nós. Suspeita-se que teria em mente, desde que devidamente financiado para o épico esforço criador, um inovador filme desprovido de imagem... e de som.
Caramba, estou hoje imbuído de demoníaco pensamento divergente! Impõe-se pirueta.
Posto isto, assevero que José Sócrates desfechou, hoje, violento tiro no tremelicante pezinho. O estonteantemente grisalho candidato a líder do PS-PSD (bom, isto é o futuro que o embala, não é?) afirmou aos estimados consócios da hemi-coligação que quer chefiar (para já ataca a metade que infesta) que "novo referendo sobre o aborto, senhores, só depois de estarmos no governo". A pergunta óbvia, que não lhe surgiu, pelo menos não passou na TV, seria "e então porquê, ó José?". Que era para ver se ele respondia como Santana Lopes ("eu agora vou ao Brasil, OK?") ou como Portas ("porque sim!" ) quando foram interrogados sobre o mesmo tema.
Eu, sobre o aborto (eu não fujo aos temas, nunca fujo a tema nenhum, posso é não estar para aí)tenho muitas dúvidas e muitas certezas. Fazia-se um pudim, a sério que se fazia, com elas todas.
Mas, também, eu sou só médico. E tenho pavor de andar de avião. Se não fosse médico (e se não tivesse, já agora, "aerofobia"...), talvez respondesse como Santana Lopes, fazendo - descontraidamente - o "check-in" para mais um "raid" Lisboa-Brasília, com escala no Vale Abraão para mais uma obra-prima. Ou tia, não resisto.
Ponho o título das postas sempre no fim. Que raio hei-de eu chamar a esta coisa?
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