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8.9.04

O Aborto (II)

Se vamos levar isto a sério, convém esclarecer certas coisas:

I - Não sei porquê, mas acho que a lolita me considera "defensor católico-radical do direito à vida". Eu confirmo ser católico, confirmo ser defensor do direito à vida (falo especificamente da vida intra-uterina, porque da "extra" assumo que seremos todos) e desconfio que, se não sou radical (nesta matéria, mas noutras também), ando lá perto;

II - Acrescento que ser católico, neste debate, é um handicap. Por várias razões:

a) desde logo, porque não consigo, nem posso, desligar a minha convicção religiosa da minha posição nesta matéria (e fico vulnerável a ataques supostamente "racionalisto-positivisto-materialisto-científicos" sobre a natureza humana, sub-humana, infra-humana ou apenas de "amontoado de células" do feto;

b) também, porque ser-se católico é, normalmente, motivo de chacota. Mais ou menos polida, mas chacota na mesma. Um gajo admite que vai à missa ao Domingo e a seguir já está a levar com as fogueiras da Inquisição e com todas as demais malfeitorias que a Igreja fez nos 2000 mil anos de história que já leva. É uma forma como outra qualquer de discutir assuntos, chateando o adversário na discussão, e sobretudo pondo-o "à defesa".

c) finalmente, ser católico (quando não se é velho, caso em que se atribui esse catolicismo a "condicionamentos culturais" pertencentes ao passado e se desculpa os pobres velhotes por essa falha) é associado a ser-se uma de quatro coisas: 1) pedante; 2) estúpido ou, pelo menos, inculto; 3) rico e uma das anteriores; 4) hipócrita e todas ou algumas das anteriores.

III - Dito isto, terão já entendido que, por convicção religiosa encaro o feto como um ser humano. Em formação, mas humano. E essa minha convicção tem consequências, tais como:

a) é-me absolutamente indiferente a acusação que me possa ser feita de querer impôr a minha convicção - que por ser religiosa é tratada como menor - aos demais. Se, por ela, eu acredito na dignidade humana do feto, a possibilidade de o mesmo ser morto é-me insuportável e imponho-a se necessário fôr, e com todos os meios que tenha ao meu alcance, incluindo as leis do Estado que sei ser laico e que - apontem-me a contradição que eu não me importo - defendo que o seja.

b) Em todo o caso, e antes de me assassinarem por incoerência (isto é um eufemismo), acrescento que esta incoerência seria a mesma se eu vivesse num Estado de Direito laico em que vigorasse, com amplo apoio na sociedade civil, a pena de morte. Podia a sociedade toda dizer que o meu único argumento era o religioso (e se nenhum mais eu tivesse, era mesmo esse o que me restava) e que não posso impôr a minha convicção religiosa num Estado laico, mas eu defenderia na mesma a proibição da pena de morte.

c) E dei o exemplo anterior (em que a cultura hoje dominante, pelo menos na Europa Ocidental, coincide com a minha convicção religiosa) para já a seguir dar outro, em que possivelmente estaremos - outra vez - em lados opostos da barricada. A eutanásia. Também aqui, e pelas mesmas razões, é fundamentalmente por convicção religiosa que sou a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e contra.

IV - É evidente que posso buscar e encontrar argumentos científicos, humanitários, de responsabilidade e responsabilização das pessoas para defender a proibição do aborto. Mais do que isso, para defender a dignidade penal da sua prática.

V - Mas, fazendo-o, esbarro nestas evidências:
a) Não tenho conhecimentos científicos;
b) Para ter argumentos humanitários, preciso primeiro de estabelecer que o feto é um ser humano; sendo isso discutido, preciso saber defender a partir de quando o é; e lá estou eu outra vez na minha ignorância científica, porque não conheço com precisão os diversos estádios de evolução da vida intra-uterina:
c) Os argumentos "de responsabilidade e de responsabilização" são argumentos utilitários. Passam ao lado do feto e centram-se na "dona do útero", (acho que "titular do útero" quer dizer isto). É como defender o fim da pena de morte apenas para melhorar a consciência social dos guardas prisionais. São argumentos utlitários, repito, em que o feto é apenas objecto e o verdadeiro sujeito é a dona do útero (evito falar em "filho" e em Mãe", como já terão reparado).

VI - Até agora não rebati um único argumento dos que a lolita aqui deixou. Será o momento:

- a lolita apresentou o problema do aborto como um problema de conflito de direitos. Em meu entender, os direitos em confronto são absolutamente desiguais, pelo que, havendo conflito, deve sempre prevalecer o direito da vida intra-uterina sobre o "direito" da "titular do útero" de se desfazer dela.
- Vistas as coisas nesses termos, a vida intra-uterina é equiparada a um dente podre e o da "titular do útero" ao da cliente do dentista que lá vai para que lho arranquem. Como "titular da boca".
- A questão não é assim de auto-determinação, mas de hetero-determinação. A "titular do útero" não é titular do que nele se encontra - se o que nele se encontra for um feto humano.

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