Blogame mucho: Aborto (continuando...)

10.9.04

Aborto (continuando...)

Alonso: eu não discuto a existência de um feto com vida humana no útero nem sequer qual é o momento em que a ciência deve determinar a existência de vida humana; eu não discuto, em suma, a existência do direito à vida do feto. Conforme terás reparado, a minha posição sobre este assunto não ignora nem desrespeita a fundamentalidade da defesa do direito à vida contra qualquer ameaça gratuita ou ilícita.

Eu falo do direito à vida em toda a sua plenitude. Falo da necessidade imperiosa de ser ter na devida atenção o direito, de qualquer homem ou mulher, às escolhas de vida tomadas segundo o seu livre arbítrio. Defendo que a liberdade também comporta o direito - que, afinal, talvez seja, no reverso, um dever - de fazer escolhas difíceis e delicadas. Ser livre é também, evidentemente, ser responsável. Concordarás que isto está muito distante desse alegado hedonismo que te assusta, Alonso.

A minha posição sobre o aborto resulta da ponderação difícil que faço entre um ser humano que pode vir a nascer - ou não - e a vida da futura mãe – ou não - que, por simples comportamentos erráticos, meio social desfavorecido, família desestruturada, depressão, angústia, seja lá o que for, já vive e tem os mesmos exactos direitos que tem o ser humano que pode ou não vir a nascer. A decisão de que não quer ser mãe, se tomada em consciência, é difícil e delicada e, repito, se tomada em consciência causar-lhe-á dor, sofrimento e, até, possível arrependimento. E mesmo que a ciência lhe diga que, quando interrompeu a sua gravidez, não existia ainda vida humana dentro de si, ela há-de sentir apesar disso que, dentro de si, alguma coisa morreu.

Repito, portanto: defendo o direito à vida contra ameaças ilícitas. Entendo, contudo, que há situações limite em que se impõe a necessidade de defender outros direitos, igualmente ameaçados. De que nos adianta defender incondicionalmente o direito à vida se, com essa defesa exacerbada, não estamos a contribuir para a materialização de relações sociais mais justas e de sociedades mais felizes e mais livres? A perspectiva humanista dos direitos de personalidade, concretizáveis em sociedades justas e promotoras do bem-estar dos cidadãos, não só rejeita quaisquer radicalismos ideológicos como promove a justa e, talvez, casuística ponderação dos interesses. Não é por acaso que quase todos os países de sistema democrático há muito despenalizaram o aborto. Ou foram, como acha o besugo, pragmáticos. O que, na discussão do aborto, significa exactamente o oposto de ser fundamentalista.

Quanto a isto: «"Ambos morderam o isco, como desejei". Fascina-me esta caracteristica das mulheres. Porque só uma mulher escreveria tal coisa.», tomo isso como um elogio. Evidentemente.

P.S. Estive para designar o post de "Aborto V", mas acabei por mudar. Pareceu-me um título da realeza...