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21.4.04

29 de Março de 1974

Li na Visão do mês passado um artigo que descrevia o "Primeiro Encontro da Canção Portuguesa", no qual participaram vários músicos"políticos" da época: Zeca Afonso, Manuel Freire, Adriano Correia de Oliveira, entre outros. Zeca Afonso havia sido proibido de cantar "Venham mais cinco" e "O que faz falta". Como escolha residual, optou por "Grândola Vila Morena", que pelos vistos pareceu aos censores uma indolente canção pró-folclórica sem quaisquer pretensões subversivas. Naqueles tempos da precipitada decadência do Estado Novo, até os censores já eram de terceira escolha. E, no dia do concerto, cuja realização esteve por um fio quase até à hora do evento, Zeca Afonso cantou-a duas vezes, acompanhado, a uma voz, pelo público que encheu o Coliseu dos Recreios. Menos de um mês antes da Revolução de Abril.

Depois da longa sarapantice feita de debate ideológico direita/esquerda que o Alonso deixou aqui em baixo, quase me apetecia soltar as bandeiras da revolução e transformar isto num manifesto anti-fascista, anti-comunista ou anti-qualquer coisa. As revoluções nascem de insatisfações colectivas e de repressões intoleráveis, só se socorrendo das ideologias quando passam, na fase pós-traumática, à demagógica e inevitável partidarização. Fico-me, no entanto, pelo espartano registo de um esperançoso prenúncio de mudança que eu desconhecia até há umas semanas atrás e que, sem quaisquer significações políticas, causa fascínio. Naquele tempo, a política clandestina fazia-se, sobretudo, a favor da utopia das liberdades e julgo que, então, não devia ser muito relevante para ninguém sentir-se esclarecido sobre as diferenças entre a direita e a esquerda.

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