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19.4.04

Posta ao contrário

Nunca me tinha acontecido estar no cinema a reparar na arquitectura das paredes e nos dispositivos de som: contei quatro de cada lado. Mas por que raio tem um espectador de ficar sentado numa sala de cinema a assistir a um exercício narcisista em forma de filme realizado por um fulano com aspirações a sex-symbol intelectualizado? Nos últimos minutos do filme percebe-se, finalmente, porque é que a culpa o atormenta tanto e, sobretudo, a quem está a ver o filme. Gallo, ao mesmo tempo realizador, actor, guionista e mais uma série de funções de que agora não me lembro, faz ao longo do filme vários e demorados close-up's de cada centímetro do seu próprio esqueleto. O Gallo chora, o Gallo não fala, o Gallo tenta expressar um olhar de sofrimento mas só lhe sai um intenso olhar acanastrado. Grande parte da fita é filmada através do vidro do carro do Gallo, o que faz com que não se consiga ver bem o que se passa, ou porque o vidro está sujo ou porque está a chover. Por onde passa, vai conhecendo mulheres que beija demoradamente, para logo a seguir partir de novo, só. Cerca de uma hora e meia de road-movie. O filme começa com uma longa e insuportavelmente ruidosa corrida de motos em New Hampshire em que o Gallo participa, perde e mete a viola no saco (ou a mota no carro, o que vai dar no mesmo) e inicia uma viagem de vários dias até à Califórnia. Brown Bunny, o filme-choque em Cannes por causa de uma cena explícita de fellatio, que, curiosamente, não é, afinal, aquilo que atormenta o Gallo ao longo de todo o filme. Confiando na opinião dos críticos do Público, ontem fui ao cinema.

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