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25.10.03

Papillon

Hoje li o artigo do Miguelito, homem mais de emoções do que de razões (virtude que o coloca num distanciado terceiro lugar no ranking dos manipuladores de opinião do momento, muito atrás dos dois cerebrais mais poderosos deste país; além de que está de folga ao Domingo), que cultiva a postura de enfant terrible porque cedo percebeu que lhe vai bem, fazendo, aliás, pendant com um distanciamento intelectual vagamente internacional de quem nasceu na urbe mas a rejeita, em favor de uma atracção fatal pelo inexplorado e virgem mundo selvagem. O que lhe confere a rudeza emocionada da expressão, valorizada pela curvatura convexa dos lábios, como se, quando fala, o faça de uma forma perfeitamente fretada. As componentes bastantes para fazer dele um herói romântico, qual Indiana Jones, sendo que este era, pelo menos, mais espadaúdo. É que se os lábios são convexos, as costas começam-lhe a concavar-se.

Entre outras coisas, algumas certeiras (sobretudo naquilo que ele pensa sobre o Carrilho), o Miguel disse isto, no Público: "Acho preocupante, a ser verdade, aquilo que Paulo Pedroso contou ao PÚBLICO: que, durante todo o interrogatório perante o juiz, Rui Teixeira nunca o tratou por "senhor deputado", "senhor doutor", "senhor Paulo Pedroso" ou, ao menos, por "senhor Pedroso". Tratou-o sempre e só por "senhor Paulo". E Paulo Pedroso e o seu advogado ficaram-se."

E Paulo Pedroso e o seu advogado ficaram-se. Inacreditável. É evidente, porque o Miguel assim infere e eu acredito, que o Rui Teixeira (perdão, doutor Rui Teixeira) quis com esse tratamento descortês destratar o senhor doutor Paulo Pedroso (sim, assim mesmo, doutor por extenso), que ainda por cima é senhor deputado. E o senhor doutor Juiz Rui Teixeira apenas o tratou por... senhor. Vilipendiando-o na sua honra de forma grosseira e malvada, para que ele estivesse ciente da sua condição subalterna no teatro da justiça e que não esperasse muito dele, senhor doutor Rui Teixeira, porque no que dependesse deste ele iria parar com os ossos à cadeia.

Porque toda a gente sabe, como o Miguel sabe porque é um rapaz de boas famí­lias, que não se trata em Portugal um licenciado com um título inferior ao dê-érre que marca a diferença, que faz com que se seja mais bem tratado em qualquer lado a que se vá e que motiva nos titulares dos canudos o desejo de que os outros pronunciem o dê-érre de forma suficientemente sonora para que terceiros possam ouvir e lhe percebam o estatuto especial. E que é nos momentos de adversidade, como quando se está a ser interrogado por um juiz preconceituoso, que essa forma de tratamento se torna ainda mais premente. Não sendo respeitadas as elementares boas maneiras, então sempre se pode aproveitar para, numa entrevista futura, deixar cair que, até porque o juiz não o tratou por doutor, o processo só pode estar a ser manipulado.

Curioso, isto. Eu também li a entrevista do Paulo Pedroso (perdão, doutor Paulo Pedroso) na Pública da semana passada e imediatamente me lembrei do livro que o Vale e Azevedo escreveu na cadeia.

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