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28.9.03

O decreto ideal

O competente e inefável José Mourinho declarou o seguinte, referindo-se, provavelmente, às afirmações de dirigentes do Sporting sobre prejuízos decorrentes (para os leões) de erros de arbitragem:
«Devia haver um decreto para que só pudessem falar dos árbitros aqueles que assumissem que os árbitros também erram em seu favor. Ainda há uma semana, algumas pessoas falaram e criticaram um árbitro, e dias depois venceram um jogo por 2-0, beneficiando de um erro do auxiliar, mas nada disseram. Que credibilidade têm essas pessoas para falar de árbitros? Eu, pelo menos, vou tentar ganhar essa credibilidade»

Isto é um perfeito exercício de desonestidade intelectual, como se verifica facilmente. Já se sabe que qualquer árbitro, na sua boa fé, errará de forma tendencialmente indiscriminada e aleatória, com uma frequência inversamente proporcional à sua competência.
Os dirigentes do Sporting que criticaram o juiz do jogo com o Moreirense e não falaram publicamente na deslocação de Liedson no lance do 2º golo contra o Malmoe, sabem muito bem (até porque já viram as imagens do jogo) que o “bandeirinha” italiano se equivocou. E que esse equívoco acabou por favorecer o Sporting. Que, contudo, na altura, ganhava já, justa e escassamente por 1-0. Refira-se isto, também, por ser verdade.

A diferença é apenas uma: é que não se vislumbra na arbitragem italiana nenhuma motivação suplementar para beneficiar ou prejudicar seja quem for. Nem para isso haveria motivo! Ou José Mourinho e os portistas em geral, agora, já acham que o Sporting é um portento europeu, capaz de receber vassalagens das arbitragens da UEFA? Claro que não: foi um erro “randomizado”, daqueles que eu admito terem sido cometidos de boa fé. E, mais importante do que isso, sem influência decisiva na qualidade do resultado. Esses erros não merecem análises, apenas se registam.
Já na arbitragem do Moreirense, de tão óbvias que foram as infracções, é exactamente a boa fé que se questiona. Não apenas a boa fé deste ou daquele juiz, mas a boa fé das arbitragens. Foram erros grosseiros, dois deles seguidinhos, que fizeram o Sporting passar da possibilidade de vencer por 1-0 para a inevitabilidade da derrota por igual margem.
Aliás, como Mourinho falou no final do jogo com o Vitória de Guimarães, mais calado deveria ter ficado. E, se não gostasse tanto de protagonismo, talvez até nem piasse. E mais valia. Porque a equipa que dirige foi grosseira e directamente beneficiada com a anulação incrível de um golo limpo ao Guimarães, que daria o 2-1 aos minhotos. E, aqui sim, devido a uma arbitragem portuguesa, o resultado pode ter sofrido uma alteração qualitativa. Não sei se o Porto marcaria o segundo golo, sei é que, se marcasse, empataria. O empate dá um ponto, não dá três. E as contas são fáceis de fazer, no campo das probabilidades: talvez o Sporting tivesse mais 3 pontos, e se calhar, o Porto tinha menos 2.

Mourinho disse, também, que João Tomás lhe admitiu, particularmente, que tinha feito falta sobre Jorge Costa no lance do golo. Esta declaração vale o que vale, até porque João Tomás disse, publicamente, exactamente o contrário do que o excelente técnico portista afirma ter-lhe sido confidenciado pelo vimaranense, em privado. E Mourinho esquece-se que o lance foi tão nítido, mas tão cristalino, que toda a gente pôde ver (mesmo sem câmara lenta) que se anulou ali um golo legal. E Mourinho não pode alterar esta verdade com argumentos de “ele disse-me ao ouvido”.

Quanto ao decreto que Mourinho gostaria que baixasse, não sei de que governo ou assembleia, ele não diz, mas gostaria, talvez, que rezasse assim: “Por este decreto se proibe o pensamento e a sua expressão a quem, de forma ostensiva e provocatória, contradisser ou suspeitar a versão oficial do FCP em tudo que concerne à vida futebolística. Publique-se e cumpra-se, enviando-se, contudo, cópias reverendíssimas ao Estádio do Dragão para a fundamental aprovação prévia”.

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