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27.9.03

Ir à gaveta

“Se fulano não faz parte da solução, faz parte do problema”. Ouve-se isto todos os dias, na lógica do sistema em que, cada vez mais, vivemos. E nem sequer é um sistema, é um regime de excepção permanente. Sistemas, como sabemos, são mais complicados do que meros articulados legais, esburacados na sua essência, logo à partida, pela possibilidade de sermos penalizados por eleitorados ... sensíveis, chamemos-lhes assim.

Qualquer cientista, na sua distracção permanente das coisas importantes, poderia dizer que a afirmação inicial é bacoca. Assim de repente. “Fulano não faz parte da solução, o que implica que nem é solvente nem é soluto, e isto não me parece um problema porque há sempre outras soluções, com outros solventes e outros solutos, onde ele pode entrar de forma absolutamente química. E há mesmo fulanos que são insolúveis em determinados solventes e não são noutros. Isto para não falar nos que são absolutamente insolúveis e nos que são abolutamente solventes.”

O problema da esquerda portuguesa, hoje em dia, é mesmo o evidente facto de estar reduzida a ser “contra-poder”. Não se vislumbra nenhuma possibilidade (que não advenha de chicana política, mais apropriada, na minha opinião, a outros quadrantes) de a esquerda, nos tempos mais próximos, argumentando “de dentro do sistema”, isto é, esgrimindo argumentos como “competitividade” , “sucesso”, “lucro” e “privado”, entre outros, ganhar qualquer discussão. Só por descuido dos adversários, mesmo que não tenham nenhum Mourinho como treinador de campo, nem nenhum Pinto da Costa como educador do povo. Que não são excelentes, mas lá cumprem, dentro do sistema.

Jamila Madeira foi, hoje, reduzida a pó (com evidente desgosto meu), num debate da RTP-2, por dois rapazes inteligentes e pouco belos, muito magnânimos, até, na forma condescendente com que a trataram. O que é irritante, logo à partida. Jamila Madeira, que deve cheirar bem, devia conviver, apenas, com rapazes que tivessem os mínimos nacionais da esbelteza, mas mete-se na segunda-liga!... E mais: joga em casa do adversário, logo contra dois.
Isto dirão os mais apressados. Mas não: se lá estivesse mais algum esgrimista, fosse do PCP ou do BE, Jamila jogaria contra quatro! Porque Jamila, mulher bonita e, seguramente, esperta, esgrime com argumentos votados à fácil destruição, tanto por parte do poder (a lógica do sistema, então, não é assim, ó senhores?) como por parte do “contra-poder descomprometido”, os chamados bitaiteiros. É um esquerdismo fácil, do ponto de vista mediático, o dos bitaiteiros. E ser bitaiteiro descredibiliza a esquerda. Logo, terminemos o reinado dos bitatiteiros. Como? Alianças de esquerda, sem medo, sempre e depressa. E os ratos lá acabarão por se revelar, ao primeiro naufrágio. E se ficarem todos, se não houver ratos? Melhor, senhores! Viram que bem?

Se Jamila quisesse eu explicava-lhe isto melhor. Mas eu suspeito que ela já sabe. Todo o PS já sabe, aliás. Mas nem todo o PS quer isto. É pena.
O PS, se quer ser credível (não para o “sistema”, que esse masturba-se com a sua própria e gritada credibilidade e com a credulidade de quem só ainda não viu o tamanho da sua derrota porque só olha para o que lhe mostram; mas para quem acredita numa maneira diferente de viver, mais solidária e redentora, em que quem não faz parte duma solução... pode apenas ser insolúvel naquele soluto... e não ser noutro), tem de sair dos seus apertados e masoquistas limites, indo às gavetas da sua História buscar o que lá guardou. Sem vergonha e sem medo. Vergonha é isto que se tem passado nos últimos anos, jogar sempre fora de casa, tentando defender o indefensável.
Não ter medo, é empenhar-se em mudar as regras, em vez de se desgastar em tentativas vãs de as adaptar. Soam sempre a falso, estes exercícios.

Mesmo que se percam eleições e os “meninos do aparelho” não gostem, isto fica aqui.

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