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26.8.08

Teorema de Cartaxana


O Sr. Rui Cartaxana, para além de me ensinar o nome do "bandeirinha" que, a partir de sábado passado, seguirei com muita atenção, até para verificar se o atleta é apenas deficitário das vistas ou se padece de patologia mais conotada com, enfim, com outro tipo de órgãos - chama-se Luís Ramos, registei -, tece, no Record, um pequeno número de considerações de carácter normativo, logo seguidas duma conclusão original e veemente, sendo esta, basicamente, que se lhe afigura que "contra o coro de críticas, protestos e até ameaças que começaram em Paulo Bento e se espalharam em rede por comentadores encartados, ex-árbitros-comentadores e outros especialistas, o penálti assinalado pelo juiz-auxiliar Luís Ramos, que o árbitro Paulo Baptista confirmou, foi bem assinalado".

Ora, este é o tipo de conclusão que, mesmo que proviesse - por exemplo - do Luis Delgado, mereceria, ao menos, uma análise descuidada. Agora, quando o emissor se chama Rui Cartaxana, que, apesar de ainda não ser uma figura de proa da wikipedia (ainda não existe lá, por exemplo, uma biografia dele, nem nenhum registo bibliográfico, embora eu tenha ido pesquisar e saiba, por exemplo, que escreveu uma coisa chamada "Iniciação ao Jornalismo", editado pela FAOJ, ou seja, trata-se aqui dum homem que gotejou conselhos para os futuros coleguinhas, e talvez isso até ajude a explicar algumas coisas sobre alguns coleguinhas, de facto) qualquer dia - e, a continuar nesta senda, é que nem ginjas - o será, partindo esta espécie de "eureka!, foi grande penalidade e só eu é que vi essa merda!" do senhor cuja fisionomia decidi dar à estampa e que está ali em cima, Rui Cartaxana, caramba!, exige mesmo que se esturriquem os neurónios para nos penetrarmos (salvo seja) dela (da conclusão). E de seus caminhos.

Rui Cartaxana foi desencantar "uma conhecida recomendação do International Board, a que a FIFA deu seguimento" e que, segundo ele, encerra o assunto e, portanto, foi mesmo penalti e embrulhem - diria ele se estivesse, por exemplo, a dissertar numa esplanada.

E prossegue:

"Que diz a tal recomendação? Que os senhores árbitros, perante um jogador defensivo que inicie uma acção faltosa sobre um atacante fora da grande área (por ex., um agarrão), que venha a terminar dentro da grande área, devem assinalar grande penalidade! Precisamente o que aconteceu (o agarrão do texto da recomendação é apenas um exemplo) no jogo de sábado entre o Sporting e o assustador Trofense."

Repare-se na penetrância interpretativa de Rui Cartaxana. É necessário, de facto, um salto qualitativo de envergadura não desprezável para se produzir um raciocínio tão elaborado. Excepto na parte em que Cartaxana, entre parêntesis, provavelmente colocados já depois de lhe ter aflorado a mente qualquer coisa como "deixa lá meter esta frase antes que se veja muito que estou em rota de colisão com a inteligência, que raio de feitio o meu, vamos lá, Rui, tens de entregar o serviço, põe lá, a ver se cola", afirma que "o agarrão do texto da recomendação era apenas um exemplo". Aqui é a parte em que ele tenta "lançar o filete".

Brilhante. Não, a sério. Fantástico.

Ele tem razão, durante pouco tempo mas tem: era, de facto, um exemplo - tanto que é seguido de vírgula e etc. E um exemplo que colhe, se descontarmos o etc.
De facto, se um jogador em acção defensiva (vamos imaginar o Carlos Martins, por exemplo, embora seja difícil; ou o Bruno Alves - mas este imagina-se ainda pior, porque com ele, a breve ilustração do "exemplo de Cartaxana" que estou em vias de concretizar não duraria tanto tempo), ali pela entrada do seu meio campo, tenta interceptar um contra-ataque adversário (por exemplo, do Beira Mar, quando ainda lá estava o Juninho Petrolina) começando por agarrar o subversivo condutor da bola (o Juninho, serve perfeitamente, sim) que, apesar de momentaneamente combalido, prossegue a bom ritmo, saltando-lhe depois para cima e encavalitando-se nele, fazendo Petrolina afrouxar mas, tal o embalo que levava e a vontade de desfeitear o Quim, não o impedindo de prosseguir a jogada. Sempre pendurado no outro atleta, vamos ainda supor que Carlos Martins desata a golpear-lhe os flancos com os calcanhares das chuteiras e a apertar-lhe o pescoço com uma chave de braços, ao mesmo tempo que lhe sussurra sugestões sobre futuras ocupações profissionais da mãe do contra-atacante. Com tudo isto, Petrolina acaba por perder o controlo do esférico e por se derramar na relva, já cerca de 3 metros dentro da área. Ora, neste caso, o "exemplo Cartaxana" é sublime: uma falta que começou a ser praticada cerca de 30 metros atrás, é sancionada, apesar disso, dentro da área. E bem. Tratou-se ali duma "acção continuada" cuja consequência deve ser, para o faltoso, a mais grave possível. Sempre no terreno das hipóteses, Carlos Martins começa a fazer a falta cerca de dez segundos antes, persiste nela, entra na área ainda engalfinhado no pobre Petrolina e este, exausto ou não, estatela-se ali. Penalti. Como ginjas.

Agora, a que outros exemplos se referirá Cartaxana? São insondáveis os desígnios de mentes brilhantes como a de Rui Cartaxana e, mesmo, da UEFA (que é, nesse e noutros aspectos, um cerebrão!). Nunca compreenderemos totalmente as suas conclusões, nem como lá chegaram, embora nos palpite que raciocinam utilizando apenas os neurónios pares e em dias santos de guarda. Porque não precisam de mais, evidentemente.

No recente caso Polga, o defesa do Sporting oferta uma rasteira ao jogador do Trofense (que, aliás, ia armado em parvo rumo ao Rui Patrício e com intenções pouco edificantes) cerca de metro e meio fora da área, acabando o desventurado Zé Carlos por estatelar-se dentro dela. Não foi assim? Foi, bem me parecia.
Vamos a ver se esta coisa que eu agora vou escrever, de maneira singela e tosca, enferma de algum vício, alguma tara, susceptível de chocar de frente com o "Eureka!" de Cartaxana e causar-me problemas:

1 - A falta, do meu ponto de vista mal informado: consistiu, vá lá, numa rasteira do Polga ao Zé Carlos, que ocorreu naquele momento preciso em que uma parte do membro inferior direito do sportinguista toca numa parte dos membros inferiores do trofense, causando-lhe desequilíbrio e certo mal estar, começando e acabando ali. Foi, portanto, ali que ocorreu. Aquela falta ocorreu ali. Não ocorreu no trajecto de cerca de três metros seguintes, foi ali, metro e meio fora da área.

2 - A visão do bandeirinha: parece-me que é má, mas pode ser óptima (o que pode ser, bem vistas as coisas, ainda pior). Se, não sendo má, é, bem pelo contrário, óptima, a coisa pode ter-se passado de duas maneiras:

a) Ou Luís Ramos viu muito bem que a sarrafada ("vamos passar a chamar sarrafada àquela pueril entrada do Polga, que é para ninguém poder vir acusar-nos, depois, de parcialidades e merdas assim" - resolvi eu agora) foi fora da área mas, por motivos que não se prenderam com juízos interpretativos baseados na jurisprudência posterior de Cartaxana, decidiu (como em tempos decidiu, no Funchal, um bandeirinha de José Silvano - por acaso a favor do Benfica, refiro isto por se tratar duma raridade, olha!, beneficiaram o Benfica!, que estranho!) que "tá bem, foi fora, mas agora vais mamar que quem manda sou eu, e eu digo que foi dentro e bem dentro, tungas!".

b) Ou Luís Ramos viu muito bem que a sarrafada (lá está, sarrafada) foi fora da área mas, por motivos que se prenderam com um profundo estudo da "conhecida recomendação do International Board, a que a FIFA deu seguimento", decidiu - na linha de Cartaxana et al - que a falta não tinha terminado ali, metro e meio fora da área, mas prosseguira. E que terminara no local, supõe-se, em que o Zé Carlos caiu.

3 - Conclusão, para abreviarmos: segundo o Teorema de Cartaxana, que rezará, mais ou menos, que "uma falta deve ser marcada no local em que acaba, não tendo importância nenhuma se se tratou dum agarrão continuado e persistente ou duma pantufada instantânea; sendo que deve considerar-se que a falta acaba no local em que a vítima se despenha e, por esse motivo, ser nesse local sancionada; se a falta, nestas perspectivas todas - que o agarrão é só um exemplo, foda-se! -, terminar dentro da área, ora aí está, só não vê quem é estúpido: penalti", dizia eu que diante desta inatacável norma de Cartaxana, eu teria preferido que o Zé Carlos estivesse dentro da área do Sporting, cerca de metro e meio, tentando conduzir o esférico para o seu exterior, derivado ao facto de estar a efectuar um drible, por exemplo, mas bem dentro da área ainda, tendo levado nesse instante a sarrafada do Polga. Aí, começaria a falta, de acordo com Cartaxana. O Zé Carlos, depois, sempre com a falta a continuar - de acordo com Cartaxana e, eventualmente, com Luís Ramos e o International Board-, acabaria por tombar na meia-lua. Ou seja, já fora da grande área.

Seria bem melhor para o Sporting:

a) Teríamos um livre directo à entrada da área, em lugar de sermos penalizados com o castigo máximo.

b) Polga não seria expulso, veria talvez um amarelo, uma vez que o Zé Carlos não estaria a encaminhar-se perigosamente para a nossa baliza, bem pelo contrário, afastava-se dela de forma resoluta quando do início da falta - que, relembre-se, terminou fora da área, com o trambolhão do infeliz dianteiro.


Estou curioso para ver como é que Rui Cartaxana, Luís Ramos e outros eventuais fiéis vão fazer a partir de agora. Se ao peculiar talento que revelam para interpretar recomendações do International Board juntarem a posse duma outra peculiaridade (esta do carácter) que se chama coerência, vai ser divertido.

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