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11.5.06

Ele é que diz as coisas e depois sou eu

Por exemplo, isto de vir a ter uma reforma aos 65 anos chateia-me. Não quero. Prejudicarei o país, daqui por vinte anos, bolas! Às tantas, ainda mais do que já o prejudico agora. Não me aumentam há quatro anos, congelaram-me a progressão na carreira, mas nem assim me sinto, ainda, de contas saldadas com os meus patrões. Que são os senhores e as senhoras todos. Estou contrito e humílimo na minha bata branca de palhaço, cabeçorra baixa, a pedir mais chibata. Acreditem.

Eu sou o défice, eu sei. Sou eu. Olhem aqui, sou eu, o défice! O "duh", como agora dizem os "bués", a propósito de qualquer discrepância. Fazem bem: quem sabe, apenas, sete palavras e dezoito interjeições, dispensa o léxico comum.

Desculpem.

Têm razão.
Eu, quando tiver 65 anos, se lá chegar, não quero reforma nenhuma.

Quero, se puderem, sem agravarem - por minha causa - as lombalgias do país, que me dêem 500 euros por mês, apenas isso; para poder comprar cromos dos filhos do Cristiano Ronaldo, titulares da selecção de sub-21 daquela altura, mais a caderneta, para os netos; para as salsichas e o atum de conserva, mais as batatas "pré-palitadas" e algumas resmas finas de queijo fatiado, para as sandochas; para poder obter remédios (genéricos, claro, mas de marca!, e já cortados em metades bio-equivalentes genéricas e de marca, ah!, e mais Tamiflu, se ainda houver, para as galinhas - terei quatro, vejo-me a apascentar quatro galinhas, na reforma); e para uns óculos com lentes progressivas, comprados com 65% de desconto, para poder ver os dezassete sub-canais da SIC e os telejornais todos, e os debates do Pacheco Pereira com o João Almeida, o António Vitorino, um amigo do Paulo Portas que ele ainda arranje e, claro, alguma discípula do Vasco Lobo Xavier, sem ser nenhuma das bloggers actuais; e as opiniões do neto do Marcelo, claro, ainda com a substituta da Sousa Dias, que será igual, nessa altura, à Sousa Dias; sim, eu só quero poder assistir a essas catarses todas, em que se discutirá a possibilidade de os meus filhos se reformarem aos noventa e oito anos, esses celerados filhos que eu agora tenho, são dois!, que carregarão as minhas culpas e as deles e - ainda, como eu - as de toda a gente.

Eu quero é ter uma velhice digna. Sim. Só isso. Não se incomodem comigo. Aliás, a minha dignidade na velhice não há-de ser mais merecedora de coisa nenhuma do que a dignidade que agora ainda tenho (dão-ma?) já merece.
Há-de ser é menos cara para os filhos dele, disse ele, quase acerca dele (mas no fim não se percebe bem, embora ele domine muito bem os léxicos, o comum e o incomum).

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