Guarda-flores
Amanhã há-de vir ele, o meu problema maior.Homem de fazer coisas, de estar ali sempre por cima do destino, como se fizesse de cada derrota um potro novo.
É benfiquista, o senhor Artur. Quando soube, há quase dois anos, que tinha "raízes" duma coisa má, cismou projectar um Lar de Dia para idosos, parece-me até que cismou projectar isso tudo para cima de mim, tudo isso, mesmo tudo. Ele e a mulher, que é duma beleza estranha e dura.
Ambos amigos, ele e a mulher de beleza estranha e dura, do Barbosa, do grande e intransponível Barbosa, pai de filhos e avô de netos, sempre grande e bom - e antigo defesa central de lugares antigos - naqueles olhos azuis de velho grande e rijo, que já só me visita para me dizer que ainda me quer bem apesar de a mulher, também antiga, nos ter morrido. Pequenina.
Eu quase choro à noite, lá nunca choro; lá, nem a barba desfaço.
Tem, têm ambos, amigos que são os dois - um, ainda ali amarrado à sua esperança e à minha, outro que nem sei porque aparece - essa mania torpe de me foderem, aos pares de sábios, a minha teoria de que cada dia é menos um: eles acham, sempre, que cada dia é mais um dia por estrear e por gastar, cumprindo-o, e que ainda faltam, a toda a gente, os dias que nos faltam: nem um a mais nem um a menos. E que isso é verdade simples para toda a gente, quanto mais para mim.
E para eles, por razão muito mais antiga - mas nem sequer mais certa, lá por isso.
Cismo nisto e nem sei se me sinto melhor, sei é que me sinto mais e que arrefeceu a noite.
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