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1.11.05

Perspectivas

No Abrupto escreveu-se, entre outras coisas, isto:

"É triste ver o desespero de causa que leva Mário Soares a levantar a questão da pensão de Cavaco. É a mais desapropriada das questões, em particular, vinda de Mário Soares que se pensava estar acima deste tipo de ataques rasteiros, que nele tem o precedente da campanha contra a situação conjugal de Sá Carneiro. É exactamente o mesmo tipo de tiros desesperados, alimentando a nossa inveja socializada de país pobre, que normalmente se voltam contra quem os dispara." (...)

Está bem. Por outro lado, é digno de nota verificar a falta de escrúpulo com que se apelida de “ataque rasteiro” a questão levantada por Mário Soares sobre “a pensão de Cavaco”.

Antes de mais, não se tratou ali de questionar “a pensão de Cavaco”: tratou-se de contrariar, no manifesto dum adversário político, uma inverdade, uma desonestidade intelectual, que ele pretendeu utilizar como arma de arremesso contra os seus opositores, demarcando-se (duma forma levianamente populista) deles por via dum virgindade que não tem. Em hímen nenhum da consciência.
Aliás, o manifesto de Cavaco não me pareceu uma redacção, ao contrário do que pareceu a Vasco Pulido Valente. Pareceu-me, antes, uma coisa qualquer entre uma homilia fraca e uma lição de catequese.

Depois, comparar o agora sucedido com a antiga campanha contra a situação conjugal de Sá Carneiro é, também, intelectualmente desonesto. E, agora, isso veio direitinho de Pacheco Pereira, sem intermediários.
É evidente que os contornos dessa campanha foram torpes, sobretudo por apontarem como “quase pecaminosa” a situação conjugal de Sá Carneiro, que era legítima e inatacável. E quase toda a gente se sentiu indisposta, e muito bem, com essa torpeza. Com a forma soez com que se tentou apoucar um adversário político, através da lama que se lhe atirou à sua condição de homem livre.

No entanto, não invertamos a verdade. Com uma dimensão diferente, é verdade, julgo que todos o admitimos, a torpeza, agora, veio de Cavaco Silva. E, um bocadinho, de quem o defende, ainda, neste particular.
Foi ele, Cavaco, quem, assumindo-se virginalmente como “não político”, como “acima dos políticos”, como “bem acima desse lodo que são os outros, os políticos profissionais”, fez o papel triste que esteve reservado aos “homens puros e inquisidores” que, naquele tempo, lá das profundezas do altar em que estavam, atacaram Sá Carneiro por ser o que era e tentaram enlameá-lo por isso.

Ou seja, nisto da lama, que cada um assuma o seu chiqueiro.
O ataque rasteiro veio, pois, de Cavaco. Que cuidou elevar-se com ele, mas não conseguiu.
A resposta de Soares (que nem sequer é o "meu" candidato) só terá sido rasteira porque, de facto, não havia outra maneira. Não se deve apontar para cima só porque o alvo a atingir cuida voar: deve apontar-se ao alvo fazendo a pontaria ao sítio onde ele está, para não corrermos o risco de o "tiro" lhe passar muito por cima.

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